“POR ISSO TUDO ACABOU ASSIM” e o ‘sim’ a nós mesmos

“[Por Isso Tudo Acabou Assim é] um convite a observar experimentações da juventude através de olhos mais atentos e gentis, dando voz a quem precisa desesperadamente ser ouvido.”

Por reprodução

Uma fogueira. Uma história. Alguns australopithecus…

Assim que nasceu o teatro.

E, desde então, teatro é memória. E memória – para além de todos os mecanismos narrativos – é sinceridade. Com esse sentimento, o musical “Por Isso Tudo Acabou Assim” estreia no Rio de Janeiro sendo sincero, trazendo uma história autoral e propondo uma montagem independente.

Nessa entrevista (livremente comentada) com a equipe do musical – um grupo de amigos artistas -, busquei saber mais sobre a escolha do enredo e dos desafios da autoprodução, do ato de dizer “sim” num mercado que constantemente lhes disse “não”.

“Teatro musical – por si só – é como uma estrela cadente: um acontecimento raro, custoso e transformador. Teatro musical independente é isso ao quadrado. Qual o impacto que vocês querem gerar?”

“O maior impacto que queremos gerar é mostrar a todos que é possível sim começar uma produção do zero sem ser um grande nome no meio do teatro musical. O “Por Isso Tudo Acabou Assim” surgiu de uma vontade de sair desse lugar confortável, de esperar que as coisas viessem a nós e de construirmos algo em que realmente acreditássemos. Gostamos de pensar que: se não vai haver quem nos dê oportunidade, nós podemos criá-las. Hoje, estamos de frente para a nossa estreia e é muito louco enxergar onde chegamos. Quando olhamos para tudo pronto, é surreal ver a proporção que esse projeto tomou e isso sem dependermos de ninguém […] além da nossa equipe que abraçou essa peça de coração aberto. Então, pensamos que [o impacto] é sobre isso: democratizar a criação artística.”

É muito doido (e doído) o primeiro choque do artista com o mercado cultural. Existe sim, de fato, o famoso Grande Mito do High School Musical: 1. Troy e Gabriella chegam atrasados para a audição, 2. sequer mencionam seus nomes ou se importam o suficiente para preparar uma canção, 3. aprendem uma canção magicamente e 4. passam na audição para os callbacks do musical. A sensação que tenho é que nós, que crescemos com essa visão, temos dificuldade de entender as dinâmicas operacionais da indústria com um todo.

Mas sabe qual o pior disso tudo? É que o Grande Mito do High School Musical não é muito longe da realidade. Troy e Gabriella só passaram porque Kelsi, a compositora nerd, os conhecia, insistiu para que eles cantassem e, com certeza, os colocou em bons termos com a professora do departamento de drama.

A conclusão é a seguinte: o mercado é dividido em galeras. É gente que conhece gente que já trabalhou com a gente e que brigou com outra gente e que é ex-marido da amiga daquela gente. Entrar nisso é difícil. Ouvir não atrás de não é mais difícil ainda.

Por isso é tão irado vermos guerreiros que levantam obras primas com um orçamento de dois reais e um pacote de cream cracker. Longe de mim dizer que não existe autenticidade nas grandes produções, mas são nas produções mais carentes que tudo está a perder: pode ser sua única chance de ser autêntico.

“Amadurecimento, autodescobrimento e conflitos de geração são tópicos de muito peso na vida dos jovens de hoje. Como a história de “Por Isso Tudo Acabou Assim” traz isso à tona?”

“Essa é uma história fictícia sobre pessoas reais. É fácil se identificar com os personagens. A narrativa é conduzida criando uma espécie de diálogo direto com o público e se propõe a trazer à tona temas relevantes que muitas vezes são negligenciados pela sociedade. O espetáculo não apenas proporciona ao jovem a identificação com a história, como também pretende fazer com que outros públicos possam enxergar as questões tratadas com maior

empatia e cuidado. É uma carta aberta a todos. Uma súplica que diz: eu estou aqui e gostaria de ser ouvido.”

Existe um fenômeno recorrente na história do teatro musical que é o Musical Adolescente™. Estou falando daqueles títulos que estão alinhados à agenda dos jovens e que são sinceros à sua realidade. 

Hair (1969), acredito eu, foi o primeiro a movimentar massas e causar um impacto significativo no público jovem. Rent (1996), Spring Awakening (2006) In The Heights (2008) e Dear Evan Hansen (2017) também entram nessa categoria. 

Não existe coisa mais obviamente esquisita do que adulto tentando se comportar como jovem. Eu, como um recém adolescente, tenho lugar de fala aqui! Na maior parte das vezes, certas histórias só alcançam seu potencial máximo quando contadas por aqueles que as vivem.

“É muito comum organizarmos as funções criativas da maneira que os gringos organizam: um bookwriter (escritor do texto), um letrista e um compositor apenas. Como foi esse processo de desenvolver música para vocês?”

“Optamos por uma abordagem que desvia dos padrões convencionais. Antes mesmo das músicas, já tínhamos um elenco escalado para interpretar as canções e precisávamos considerar suas características e habilidades vocais. Um dos principais desafios foi garantir que os compositores pudessem criar um trabalho artístico de profundidade, que fosse além da superfície, respeitando a dramaturgia enquanto se adaptava a essas vozes. Cada aspecto do processo foi elaborado com atenção às necessidades individuais dos artistas, permitindo que eles se destacassem de maneira excepcional.”

Importante fazer uma inserção aqui: os padrões convencionais que o mercado dita vêm muito da logística operacional das produções importadas – sejam elas réplicas ou não-réplicas. Quando o gringo vem escalar um LesMis da vida, ele sabe que é difícil se apropriar de um personagem em dois meses de ensaio. O ator do Valjean tem que ter algo em comum com a personalidade do Valjean – é sobre economia de energia, de tempo e consequentemente dinheiro.

Veja bem, não há problema algum nessa lógica. Funciona, e funciona há décadas. Mas, é válido reconhecer que inverter esse fluxo pode ser sim benéfico. No fim, é tudo sobre autenticidade.

“Sei que a primeira temporada está logo aí e a conclusão dela será uma vitória e tanto. Mas, fingindo que os problemas e as burocracias não influenciam tanto, qual é o futuro que vocês enxergam para o projeto?”

“Definitivamente não queremos parar na primeira temporada. Vislumbramos poder levar essa história para outros espaços e regiões. Temos nos inteirado sobre a possibilidade de viajarmos para fora do Rio de Janeiro com a peça e claro, em paralelo ao projeto, pretendemos levantar outras obras autorais nesse mesmo formato: dando oportunidade a quem ainda não esteve no holofote.”

Isso aqui me toca num lugar muito específico que é o de ‘fã de teatro musical que vive fora do eixo Rio-São Paulo’. Acho muito bonita a preocupação das produções menores de viajar pelo restante do país. Isso é bem mais comum nelas em comparação às de maior porte.

Entendo que isso pode ser ingenuidade. Entendo também o motivo das grandes produções se concentrarem nos polos. Por exemplo, aqui em Vitória no Espírito Santo sequer existe um teatro com mais de mil lugares. É impossível, por exemplo, Rei Leão ser montado aqui e eu tenho ciência disso.

Mas no final, o que importa é a intenção de levar o teatro para todos. E, se isso quer dizer que somos ingênuos, que sejamos assim enquanto pudermos. Essa é a nossa forma de mudar o mundo, não é?

Pra terminar essa entrevista (livremente comentada), tenho algo a dizer para a equipe do musical “Por Isso Tudo Acabou Assim”: 

É também na mão de vocês que está o futuro do teatro musical no Brasil. Me identifiquei muito com a paixão que vocês demonstram por essa forma de arte e tenho certeza que, se eu tivesse aí, amaria estar no meio dessa galera também.

Uma vez disseram a Jonathan Larson “Escreva sobre o que você sabe”. Rent nasceu assim.

Por isso digo: escrevam sobre o que vocês sabem. Quem sabe um novo Rent está logo ali na esquina.

“Tem algum diálogo, algum trecho de letra ou de monólogo que resumiria o espírito do projeto?”

“A força dos jovens reside na mente indomável que sonha, questiona e busca incessantemente. São os herdeiros da inovação, os pioneiros de ideias revolucionárias. Como raios de luz que iluminam os caminhos obscuros, desvendando mistérios que antes eram sombras.”

POR ISSO TUDO ACABOU ASSIM

31 de maio a 23 de junho
Sextas e sábados às 20h | Domingos às 19h
SEDE CIA DOS ATORES – Santa Teresa, Rio de Janeiro.
CLASSIFICAÇÃO 16 ANOS

FICHA TÉCNICA:

Idealização e texto: Gabriela Salman
Direção geral: Charlles Rodrigues
Assistência de direção: Renata Rego
Direção musical: Patrick Salerno
Assistência de direção musical: Arthur Salerno
Coreografias: Duda Diniz
Realização: DILEMAH Produções
Letras e músicas: Arthur Salerno, Davi Garnier, Gabriela Salman e João Victor Granja
Produção musical: Thiago Garcia 
Desenho de Luz: Arthur Souza
Desenho de Som: Henrique Trés
Figurino: Karine Salman e Pâmela Laysa
Cenografia: Francisco Ferreira
Designer Gráfico: Patrick Salerno
Fotografia: Sancho Fotografia

ELENCO:

Arthur Salerno
Charlles Rodrigues
Daniel Bandeira
Eduardo Martinez
Gabriela Salman
JR Moreno
Lívia de Lucas
Maria Flávia Lanzoni
Milena Machado
Patrick Salerno
Raphael Bela
Renata Rego
Sofia Manso
Valentina Schmidt
Wanderson Moura

Miguel Magevski

Miguel Magevski é um estudante de arquitetura metido a compositor, versionista e aspirante a produtor cultural. Mora em Vitória, no Espírito Santo e é apaixonado por musicais desde pequeno. Seu hobby favorito é ter opiniões fortes sobre assuntos aleatórios e guardar o máximo de curiosidades inúteis possíveis. Afinal, é pra isso que serve a vida, não é?

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