BM review: Ney Matogrosso – Homem com H

Que o Teatro Musical Brasileiro tem o costume de conceber musicais biográficos sobre os artistas da nossa música não é novidade. Mas com o passar dos anos e das tramas, encontram-se caminhos cada vez mais belos e elaborados para transpor a vida, a música, a voz, e o corpo de um cantor para toda uma companhia. É o que acontece em Ney Matogrosso – Homem com H. Números musicais bem construídos musicalmente e coreograficamente que conduzem a história do Camaleão Brasileiro.

O texto de Marília Toledo e Emílio Boechat, e os arranjos e direção musical de Daniel Rocha, conseguem abarcar os diversos triunfos e medos do ser (e de ser) Ney Matogrosso. As relações familiares, as relações íntimas, o mercado fonográfico brasileiro através das décadas, e talvez, sobretudo, a performance de um artista enquanto ser humano vivo. É aqui que se entende a grandiosidade dessa figura. Em cena, ao vivo e a muitas cores, com toda expressão corporal e vocal absurda de Renan Mattos.

Incorporar Ney Matogrosso é um grande desafio. O cantor é considerado um dos intérpretes brasileiros mais importantes e produtivos de nossa história, sendo referência em uso da voz, interpretação da canção, dramaticidade, estética visual, manifestação queer, dentre outras facetas. Renan Mattos, com muito talento, energia e dedicação, consegue trazer as qualidades de Ney, e enlaçar num contexto narrativo que contracena com diversos personagens famosos de nossa música, e outros desconhecidos até então. O ator é sem dúvidas o ponto mais alto do espetáculo.

O elenco contempla nomes já abraçados pelo teatro musical brasileiro e traz surpresas muito felizes com a alta quantidade de personagens que alguns dos atores interpretam ao mesmo tempo. Impossível deixar de destacar a performance de Murilo Armacollo como Ney jovem que nos arrebata desde a abertura, Matheus Paiva em seu retrato sublime e tocante de Marco de Maria, e Vinícius Loyola como o sempre eterno Cazuza. Há um momento em que a trama foca no relacionamento de Ney, Marco de Maria e Cazuza, e é uma das mais belas partes da trama (ainda mais com a excelente química e interpretação dos atores). Marcel Octávio, Arthur Berges, Maria Clara Manesco, Marcos Lanza e Hellen de Castro também se destacam em suas personificações de pessoas que rondam a vida de Ney.

Apesar de ser um elenco com pouca diversidade, a quantidade de personagens homens homossexuais que a história abarca, e por consequência, a quantidade de possíveis interpretações é uma coisa linda de se ver. Esse é o musical brasileiro da criança-viada. E graças à Ney!

Outro ponto de destaque é a escolha e o envolvimento das músicas em seu contexto narrativo. Além de trazer muitos dos sucessos de Ney Matogrosso (desde sua trajetória nos Secos e Molhados até seus grandes hits ecléticos da carreira solo), as letras e melodias estão enlaçadas de forma orgânica à trama. Um reflexo dos caminhos cada vez mais elaborados dos musicais biográficos brasileiros.

Para não dizer mais então, que continuemos a biografar os grandes artistas queers de nossa história. Que seja brasileiro, e viado, e extravagante, e belo. E que seja bom. Bom para o meu sangue latino.

Guilherme Gila

Gila aqui! Apaixonado por música e teatro desde que me conheço por gente (e por músico e ator também hehe). É fácil me fazer falar, difícil é me fazer parar. Um prazer!

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