Um charmoso bistrô, um certo Fantasma, e Paris

Nunca conheci Paris – exceto, claro, através da literatura (páginas e mais páginas de todos os escritores que guardaram as delícias parisienses em palavras mágicas), de filmes, séries, e também, sonhos. Já sonhei nitidamente que caminhava ao lado do rio (prometo que não vai virar uma música de La la land), sentindo o ar frio do fim da primavera, a Torre ao final, e o sentimento de se sentir apaixonado pela primeira vez na vida bem na boca do estômago.

Tenho quase certeza que se um dia conseguir conhecer Paris – dedos cruzados – vou ouvir minha própria trilha sonora enquanto caminho pelas ruas – as famosas e as escondidas. Não vai faltar Si Tu Vois Ma Mère, claro. Parece familiar? Claro que sim. Refiz os primeiros minutos de Meia noite em Paris na minha cabeça tantas e tantas vezes que talvez possa andar pela cidade mais romântica – e poeticamente boêmia – do mundo de olhos fechados. Também não vai faltar toda a trilha de Sabrina, porque, claro, é um clássico. E se um certo Sr. Big puder me encontrar na Pont des Arts, melhor ainda. Certo?

Entre tantos devaneios, ainda me choco com o quão estimulante uma única cidade pode ser. Estudo os símbolos urbanos há quase cinco anos e a maior conclusão que chego é: as cidades terminam em nós mesmos. Estão profundamente conectadas a nós, e nós a elas. São memórias, nostalgias, lugares que dizem muito. Mas Paris, definitivamente, é um caso à parte. Porque ela diz muito a muitas pessoas, parisienses ou não. É impossível não se apaixonar. E enquanto poderíamos ficar horas discorrendo sobre os motivos desse arrebatamento – que é praticamente autoexplicativo – vamos apenas pegar emprestado as palavras de Hemingway e dizer: Paris é uma festa (o que cobre praticamente qualquer argumento).

Paris é muitas coisas que várias outras cidades também são, mas o seu diferencial é que o passado não está sendo constantemente engolido pelo progresso – não agora, pelo menos. O passado convive com o presente. E enquanto aqui, em Belo Horizonte, gostaria de passar e ver a casa onde Drummond viveu por quase quatro anos e encontro um prédio sem graça no lugar, em Paris você pode até contar os passos da Simone de Beauvoir. Não é mais uma cidade autofágica. BH consome a si mesma, já Paris se mantém intacta e preservada. Uma cidade mágica, de fato.

E talvez, se você espremer bem os olhos, possa ver… não sei, um certo Fantasma da Ópera saindo pela lateral da Garnier na Rue Scribe. Pelo menos é o que o instagram tem flagrado recentemente. Há um Phantom de férias em Paris e, sinceramente, esse já é um dos melhores plot twists de 2022. Jonathan Roxmouth, que tem uma trajetória linda com esse musical que é dono do meu coração, não só esteve na Ópera Garnier, mas também no La Cave de Gaston Leroux, o charmoso bistrô cuja dona é ninguém menos que a bisneta do próprio autor desse romance policial que acabou se tornando quase um ponto turístico da Broadway.

Fantasma da Ópera ultrapassou a esfera musical. É turístico. Você pode ou não estar na bolha Broadway, mas certamente ouviu falar da história de um homem desfigurado que vive nas catacumbas da Ópera Garnier e se apaixona pela corista. É uma trama e tanto, quase um evento. Um ator que interpreta o Phantom está, sem dúvida nenhuma, vivendo o ápice da sua carreira. E que carreira, considerando que ao longo dos trinta anos em que o musical está em cartaz vários atores e atrizes de extremo calibre vivem os protagonistas, então é sempre uma responsabilidade enorme e uma grande pressão.

Imagine, então, somar isso a uma tour mundial que, em determinado momento, era o único musical na ativa no mundo inteiro em plena pandemia? Seguindo rigorosíssimos protocolos de segurança, a Coreia do Sul conseguiu manter Fantasma da Ópera em funcionamento enquanto todos os outros teatros ao redor do mundo fechavam as suas portas.

Pois é, Jonathan Roxmouth viveu isso em 2020, assumindo, além de tudo, a responsabilidade de levar a alegria e o alento da arte e da cultura num dos piores momentos deste século. Foi uma montagem linda, especialíssima, que certamente ficará para a história. Mais um grande triunfo do Fantasma. E além dessa passagem única por Seoul, Jonathan também fez história sendo um dos atores mais jovens a viver na pele desse personagem musical complexo em 2012, quando ele tinha apenas 25 anos.

E imagine como deve ter sido, para Jonathan, que também é um grande fã de Fantasma da Ópera, conhecer a cidade onde a lenda surgiu? Mais ainda, conhecer esse pequeno pedaço mágico de memórias do Gaston Leroux preservadas pela bisneta, a Sra. Véronique Leroux?

Jonathan Roxmouth e Veronique Leroux. Foto: Behindthemirrorofmusic (tumblr)

Saindo de um quadro de Van Gogh, a Rue Lepic é tão especial na tela, sob o olhar de um gênio das artes, quanto na realidade. Foi lá, também, que viveu o pintor Edgar Degas, e onde várias cenas de Amélie Poulain foram filmadas. E é nessa rua charmosa, no bairro mais badalado, na cidade mais mágica, que também fica o pequeno bistrô La Cave que, como o resto de Paris, tem história até nas paredes.

O La Cave é elogiado na internet por ser um lugar receptivo, agradável, de boa comida e bebida, além de, claro, ser um portal para a história da família Leroux e do musical, com vários artefatos famosos, autografados, relíquias, ou seja, um verdadeiro museu. E mais do que isso, é um dos únicos lugares do mundo onde os phantoms podem se encontrar, discutir o romance, se conhecer, trocar conhecimentos, histórias, e imergir completamente para dentro da história. Incrível, né?

Foto: Dannii Cohen (instagram)

Com a pandemia, no entanto, o bistrô passou por muitas dificuldades e quase precisou fechar as portas, mas conseguiu reabrir. Ainda assim, passa por algumas incertezas, consequência da crise gerada pela COVID, e conta com uma página de financiamento que você pode acessar aqui. Seria uma pena que uma cidade que equilibra tão bem o passado e o presente perdesse um arsenal de memórias como este preservado pela Sra. Véronique – que aliás, é outro motivo pelo qual o lugar é tão amado.

Se você está aqui, lendo esse texto, é porque ou está perdido ou ama musicais. E se for o segundo caso, sabe o que é amar tão completamente uma coisa que muitas vezes outras pessoas não entendem. A Broadway Meme é como um grande La Cave virtual, onde pessoas de todo o país podem se reunir para discutir sobre as suas paixões de palco. Mas imagina como seria se pudéssemos ter um cantinho físico para realmente nos encontrarmos? Imagina se todos os musicais tivessem isso? Então, se você é fã de Fantasma da Ópera e vai para Paris, não deixe de colocar o bistrô no seu roteiro e compartilhe para outras pessoas. E se puder ajudar, doe! Enquanto um musical for importante para alguém, é essencial que sua memória continue viva; e como fãs de musicais – qualquer musical – é nosso dever ajudar tanto quanto possível.

Brígida Rodrigues

Olá! Eu sou a Brígida, estudo Letras e sou uma completa apaixonada por Teatro Musical. Como os meus amigos não aguentam mais me ouvir falar da Broadway e afins, estou aqui para compartilhar um pouquinho desse amor com vocês.

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