Adaptar um grande musical nunca é fácil, especialmente se você estiver fora do eixo “Rio-SP”, onde ocorrem as grandes produções com estruturas e patrocínios, contando simplesmente com o esforço dos próprios artistas e seu amor pelo teatro. Não deveria ser assim — em mundo ideal, o teatro musical não ficaria preso em uma “barreira metropolitana” e sim seria espalhado por todo o Brasil de maneira igualitária e justa.
Mas mesmo com esse cenário, o grupo Encanto Coletivo aceitou esse desafio de “Desafiar a Gravidade” e decidiu trazer o musical para os palcos do Maranhão.
“Wicked” é um musical de Stephen Schwartz e Winnie Holzman, baseado na obra de 1995 de Gregory Maguire, “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”. Ele já foi adaptado em mais de 8 países, incluindo duas passagens pelo Brasil (em 2016 e 2022). Além disso, o musical recebeu três prêmios Tony. Uma adaptação cinematográfica está prevista para chegar aos cinemas este ano, com Ariana Grande e Cynthia Erivo nos papéis de Galinda e Elphaba.
A BM decidiu entrar um pouco nesse mundo e entrevistar o Diretor deste espetáculo, Nestor Fonseca, para entender o seu processo e como ele pretende levar o seu público ao fantástico Mundo de Oz.
BM: De onde surgiu a ideia de fazer a montagem de Wicked?
Nestor: Bom, nós fazemos teatro musical em São Luís do Maranhão há nove anos. A Encanto Coletivo Cultural é uma companhia independente de teatro musical e ela existe há nove anos, atuando de forma, inclusive, pioneira na cidade enquanto companhia.
Hoje, embora existam outros espaços e companhias teatrais, fomos os primeiros e por muito tempo os únicos em nossa cidade a produzir trabalhos do gênero. O musical “Wicked” é uma peça icônica e extremamente relevante para a cultura teatral mundial, especialmente para quem estuda e consome teatro musical. Como coletivo, sempre fomos fascinados pela história, música e complexidade dessa amada obra. Durante um tempo, estudamos a viabilidade de montar esse musical, certificando-nos de que estávamos tecnicamente preparados em termos de estudo vocal, corporal e de atuação. Decidimos não fazer a montagem apenas como companhia, visando facilitar o aspecto financeiro. A ideia de estudar e montar ele veio do nosso amor pela obra e da confiança que adquirimos ao longo de várias práticas de montagem. Após esse período de preparação, finalmente nos sentimos prontos e capazes de apresentar o “Mundo de Oz”, pela primeira vez.” para São Luís na íntegra, como prática de montagem, mas pela primeira vez montada aqui na nossa cidade.
BM: Como foi o processo de escalação e quantas pessoas estão envolvidas?
Nestor: Por ser uma prática de montagem, nós abrimos inscrições para alunos interessados, artistas, pessoas que têm uma estrada, é uma turma bastante heterogênea, isso é muito legal, tanto de experiência, quanto de técnica, quanto de idade… Então, a gente tem pessoas que têm uma experiência com teatro musical de alguns anos, gente que está fazendo musical pela primeira vez, nós temos pessoas de 16 anos, nós temos pessoas de 40 anos, então, tá assim, um leque bastante interessante de artistas envolvidos, e como é um espetáculo relativamente complexo e a gente preza muito pela qualidade, pela boa execução, nós abrimos audições para turma. Então, não era só se inscrever, “afetou” uma taxa de inscrição que já estava automaticamente na turma para compor o elenco. Nós fizemos uma audição entre as pessoas que manifestaram interesse, e aí nós tivemos 40 pessoas audicionando, 42 pessoas, e delas nós escolhemos… 35 pessoas, né? Que nós sentimos — claro, com uma margem, entendendo que é um curso, né? E aí, colocamos uma margem de pessoas que ao longo do processo vão saindo por outras questões, super normalmente, isso acontece.
Então, optamos por ter dois elencos principais, proporcionando mais oportunidades para todos os participantes brilharem. Foi um processo rigoroso, mas agora estamos prontos para apresentar ‘Wicked’ com um elenco talentoso e diversificado.
BM: Como vocês se sentem sobre trazer “Wicked” para os palcos brasileiros?
Nestor: “Wicked” é sempre um evento marcante em todos os sentidos. Costumamos dizer que mexer nessa peça mexe com as energias, sabia? É tudo muito intenso! Os amores são profundos, as decepções são avassaladoras. Estamos vivenciando um processo extremamente intenso. Esta obra é um sucesso absoluto no seu país e no Brasil. Sou um grande fã, além de ser o diretor-geral do espetáculo, assino algumas direções das produções da Encanto enquanto práticas de montagem. Também sou ator-membro da Companhia Encanto e tenho uma paixão enorme pelo “Wicked”. Tive a oportunidade de assistir às versões oficiais de 2016 e 2023, sempre me impressionando e me apaixonando. É meu musical favorito, toca meu coração de uma maneira especial. Trazer essa obra para o mundo é um sonho realizado. Estamos nos empenhando ao máximo para oferecer o melhor espetáculo possível, sem patrocínio algum. Toda a produção é sustentada pela mensalidade dos alunos e pela bilheteria. É um espetáculo sem fins lucrativos
Então, a gente está muito feliz. Muito ansioso. Com a expectativa lá em cima de que essa história chegue a mais corações, emocione ainda mais pessoas. E, sem dúvida nenhuma, faça história. Faça um capítulo importante e inesquecível para o Teatro Musical do Maranhão.
BM: Qual será a abordagem única do grupo teatral para recriar a atmosfera mágica e fantástica de “Wicked”?
Nestor: Nossa identidade para esta montagem de “Wicked” é influenciada por duas principais características. Primeiramente, nossa maranhensidade, ou seja, a forma como o teatro musical é realizado no Maranhão. Somos um povo extremamente musicalizado devido à nossa rica cultura, com muita dança e música.
O canto popular é uma parte significativa de nossa identidade, o que nos torna naturalmente musicais desde cedo. Isso se reflete em nossa versão desse musical, onde reproduzimos algumas coreografias originais, mas com nossa própria interpretação e sotaque local, proporcionando uma experiência única e autêntica.
Em segundo lugar, a beleza de termos dois elencos que não são dirigidos da mesma forma. Como diretor, juntamente com as coreógrafas e o diretor musical, buscamos destacar o melhor de cada membro do elenco, compreendendo as diferentes abordagens de cada atriz para os papéis de Elphaba e Glinda. Isso resulta em espetáculos únicos, com cada elenco trazendo uma interpretação distinta da história. Essas características únicas tornam nossa montagem de “Wicked” uma experiência verdadeiramente especial e diferente de tudo o que já vi no teatro musical.
BM: Sabemos que a Elphaba e Galinda são o coração da história, como está sendo a construção das personagens e quimica com as atrizes?
Nestor: Estamos dedicando um cuidado especial a todos os personagens para garantir que todos os alunos tenham uma experiência incrível com este espetáculo de teatro musical. No entanto, estamos focando especialmente no ensemble, reconhecendo que eles são a alma do espetáculo, movendo as energias e mudando as atmosferas.
Para Glinda e Elphaba, estamos buscando alcançar lugares repletos de humanidade. Isso é extremamente importante para nós e é nossa prioridade trazer um espetáculo impactante, onde a emoção seja uma consequência natural da autenticidade das atrizes em cena, onde elas estejam presentes, vivas e se conectem verdadeiramente umas com as outras. Para isso, temos realizado muitos exercícios e práticas para construir química entre as duplas, tanto para Glindas quanto para Elphabas.
Com duas duplas e dois Fieros, buscamos regularmente estabelecer conexões autênticas e emocionais. Na marcação das cenas, priorizamos a humanidade, garantindo que as atrizes se ouçam, se toquem e se emocionem genuinamente em cena. Esta tem sido uma experiência maravilhosa, onde temos colocado o teatro em primeiro lugar, antes mesmo da qualidade vocal e da técnica de dança.
Acreditamos que quando o teatro é bem interpretado e encenado, as outras dimensões se tornam uma consequência natural do que está sendo construído no palco, e isso é o mais substancial. A beleza de ter dois elencos contando histórias de formas completamente diferentes, em corpos e energias distintas, é algo incrível. Este resultado será claramente visível no palco durante a apresentação final
BM: Como vocês planejam abordar os desafios técnicos e de cenografia para trazer à vida as cenas mais icônicas de “Wicked” no palco?
Nestor: Bem, aqui enfrentamos duas questões fundamentais. Primeiramente, a questão financeira. Não somos um espetáculo patrocinado, nem por leis de incentivo, nem por empresas. Todo o financiamento vem das mensalidades dos alunos, que não são altas devido à realidade local, e da expectativa de bilheteria nas quatro sessões que conseguiremos realizar. Essa é uma preocupação constante para nós.
A segunda questão é a estrutura dos teatros locais. Mesmo o melhor teatro da cidade, o Teatro Arthur Azevedo, que é um teatro secular e extremamente importante para a história do Brasil, não possui uma tecnologia adequada para grandes musicais. Não é automatizado, as varas são manuais e os espaços de coxia não são grandes o suficiente para abrigar grandes cenários. Portanto, estamos fazendo adaptações para a nossa realidade e limitações financeiras e estruturais, mas garantindo que o espetáculo seja algo inédito no teatro maranhense em termos de estrutura. Desde os diferentes níveis no palco até as escadas e até mesmo o voo da Elphaba.
Estamos montando uma equipe com bombeiros, cabos de aço, para garantir que esse momento tão icônico esteja presente e seja real em nossa montagem, mesmo que não seja uma produção profissional ou patrocinada. É um desafio gigantesco que envolve muitas pessoas doando seu tempo e esforço para que seja possível entregar um espetáculo nunca antes visto em nossa sociedade.
…
Então, fãs de musicais maranhenses, “Wicked” chega a São Luís em breve! Sigam eles no Instagram em @wickedmusicalma para mais novidades.
Texto: Marcos Santana
Revisão: Jackson Guilherme
Deixe um Comentário