Por Manuella Garcez
Esta review contém spoilers.
Detalhes são importantes. Normalmente, são eles que fazem a diferença entre algo mediano e aquilo que é muito bom. E, nesse caminho, é justamente entender esta diferença que faz Em Um Bairro de Nova York ser muito bom. O musical de Lin-Manuel Miranda estreou na Broadway em 2008 e, 12 anos depois, chegou aos cinemas pela visão do diretor Jon M. Chu (Podres de Ricos; Truque de Mestre 2) e roteiro de Quiara A. Hudes.
Assim que o filme começa, imergimos em Washington Heights, bairro predominantemente latino em Nova York, e logo somos recebidos por Usnavi (interpretado brilhantemente por Anthony Ramos), o dono da mercearia local que nos guia pela comunidade, apresentando seus principais personagens, junto com seus sonhos e anseios. Como eu disse, são os detalhes que diferenciam experiências e Em Um Bairro de Nova York pensou em cada um deles, deixando claro que é um filme que abraça a cultura latina e tudo que ela representa, especialmente para aqueles que saíram de seus países de origem e foram tentar a sorte nos Estados Unidos.
As falas bilíngues, as experiências compartilhadas por quem está em cena e quem está assistindo, e o fato de conseguirmos nos enxergar naquela produção são os detalhes que, nas palavras da fenomenal Abuela Claudia (Olga Merediz), mostra que não somos invisíveis. Um momento especial é ouvir Daniela (Daphne Rubin-Vega), dona do salão de beleza do bairro, cantar sobre os natais quentes em Vega Alta, na capital de Porto Rico.
Por estarmos tão acostumados a produções americanas mostrando natais frios debaixo de neve e com chocolate quente, enxergar uma realidade tão brasileira nós faz sorrir e balançar a cabeça em concordância, revivendo nossas próprias memórias. É um “sim, eu entendo” silencioso e a pequena felicidade de se conectar naquela história mais profundamente.
A adaptação eleva o nível dos filmes musicais das últimas décadas. Passadas algumas decepções recentes no gênero, é revigorante como esta produção não tem medo de ser um grande musical. Os números são espalhafatosos e enormes, com centenas dançarinos em cenas e uso de um certo realismo mágico para contar histórias, que elevam o nível do longa. Para quem conhece o trabalho de Chu, não é de se espantar que ele tenha conseguido capturar tão bem a grandiosidade que Em Um Bairro de Nova York, e a gente, precisava.
Os pontos altos são, definitivamente, as cenas de ‘96,000′, ‘In The Heights‘ e ‘Paciencia y Fe‘. Esta última, inclusive, é a cena mais bonita de todo a obra. Olga Merediz conhece Abuela Claudia como a palma de sua mão, já tendo a interpretado na versão original da Broadway, e este entendimento da personagem é crucial. Em seu solo emocionado, revivendo sua trajetória desde a saída de Havana até a chegada em Nova York e as dificuldades que enfrentou pelo caminho, ela entrega a melhor performance do longa e leva o espectador às lágrimas. Misturado a coregrafia precisa de Christopher Scott no subsolo de uma estação de trem e a fotografia de Alice Brooks, ‘Paciencia y Fe’ pode render a Merediz merecido lugar nas principais premiações do ano.
Para fazer uma adaptação, normalmente, é preciso atualizar o roteiro daquela obra, aparando pontas soltas e trazendo para um contexto mais palpável com o momento atual em que se vive. Mudanças nas letras como “I got more hoes than a phone book in Tokyo” em ‘96,000′ e a inserção de temas importantes nos Estados Unidos, como a questão dos jovens, de famílias de imigrantes, que vivem sem-documentação e como suas perspectivas de futuro acabam sendo limitadas, deram a repaginada que o musical precisava. Muito dos temas importantes hoje não tinham tanta força em 2008, mas criar uma história com foco na vivência latina sem tocar em assuntos que rondam esta comunidade seria apenas vazio.
Além disso, alguns personagens ganharam mais profundidade na versão dos cinemas, como Vanessa (Melissa Barrera), que tem agora um propósito que a move. Enquanto no palco apenas sabíamos que ela queria sair de Washington Heights, mas não tinha motivo evidente, no filme somos apresentados ao seu sonho de estudar moda e ser uma estilista. Isto conecta o público a personagem e eleva ‘It Wont Be Long Now‘ a uma I Want Song mais poderosa. Daniela e Carla (Stephanie Beatriz) também ganham mais destaque, com seu relacionamento amoroso confirmado e nos dando momentos fofos ao mostrar um pouco da vida doméstica das duas.
Porém, conhecendo o musical original, acredito que alguns cortes poderiam ter sido repensados. A canção ‘Inutil’, por exemplo, é um deles. Neste solo, a reação de Kevin Rosario (Jimmy Smits), pai de Nina (Leslie Grace), ao descobrir que a filha desistiu da faculdade é essencial para entender o que lhe faz mover montanhas para que ela continue em Stanford. Seu medo de ser inútil à sua filha, sendo a pessoa que impediu Nina de voar mais longe e ser bem sucedida aparece brevemente ao final do longa, mas a canção ajudaria a mostrar como Kevin tem aversão a ideia de ser como seu pai, que não lhe deu apoio para mudar de vida e isto o leva a tomar medidas que afetam todo o bairro.
Na questão técnica, o filme utiliza-se com graça de animações gráficas em algumas cenas, mas peca na continuidade. É possível reparar como, em takes seguidos, personagens aparecem ou em diferentes posições ou com cabelo e roupas arrumadas de uma forma que não estava antes. Na cena da piscina, fica evidente os cortes de câmera quando Sonny (Gregory Diaz IV) faz seu rap.
De forma geral, o filme cumpre sua palavra e se mostra como um dos maiores acertos do cinema musical. Ele é uma explosão visual em cores, bem orquestrada e dirigida. É revigorante, divertido e emocionante e tem as músicas que vão te fazer querer sair dançando por aí quando acabar. Ele é, inclusive, um grande concorrente para o cargo de melhor do cinema musical este ano.
Em Um Bairro de Nova York é uma brisa leve para refrescar um dia quente, a história que vai ganhar espaço no seu coração, te mostrar que nós não somos invisíveis e te fazer querer reassistir para siempre, para siempre, para siempre...
Em Um Bairro de Nova York estreia hoje nos cinemas.
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