Cinderella (2021) decepciona como musical e, mesmo com a proposta de ser diferente, entrega mais do mesmo
Por Brígida Rodrigues
A história da Gata Borralheira já foi adaptada inúmeras vezes, e das mais diferentes formas. É um clássico além dos tempos, e mantém o fascínio do público mesmo que, de forma geral, todos saibam o que vai acontecer no decorrer da história.
Foi Charles Perrault quem registrou oficialmente Cinderela, lá em meados do século XVII, mas ela já era contada oralmente muito antes e, por isso, fica desconhecida sua real origem. A verdade é que há todo um arquétipo social por trás da história da Gata Borralheira, e por isso, em diferentes séculos e lugares, foi possível notar semelhanças no plano geral: a garota pobre que se apaixona pelo príncipe e tem o seu felizes para sempre.
Mas o fato é que das várias adaptações tivemos algumas muito boas, eternizando ainda mais o clássico, e outras não tão boas assim. E a versão da Amazon Prime fica, infelizmente, no segundo caso.
Dos pontos positivos podemos destacar a madrasta de Idina Menzel e a Fada Madrinha de Billy Porter. Aliás, um salve para a maneira como Porter trouxe o personagem que, nesta versão, é genderfluid. O único porém foi não ter aparecido mais vezes em cena.
Menzel também se destaca na pele da madrasta, Vívian. Ela não é apenas má, e aqui os personagens não caem na dualidade do bem e do mal. Há complexidades que são trazidas à tona, especialmente sendo uma mulher no contexto patriarcal do filme. Questões que a maravilhosa Anjelica Huston coloca sutilmente em suas expressões na, talvez, melhor adaptação de Cinderela até hoje (Ever After, 1998). A madrasta de Anjelica é, sim, cruel, mas há mais na expressão de Huston que sugere, mesmo que bem sutilmente, as escassas escolhas que as mulheres possuíam à época.
Nesta versão, Drew Barrymore vive Danielle de Barbarac, a obstinada e bondosa filha de um nobre que falece quando ela ainda é apenas uma criança. Aqui, temos um filme que trabalha menos com a fantasia, tirando da conta os animais falantes e a abóbora. Sua fada madrinha é ninguém mais, ninguém menos que o próprio Sr. Da Vinci; e o príncipe é um jovem insatisfeito e arrogante, embora inteligente, e incapaz de entender os seus próprios privilégios, com o único desejo de viver mais livremente. Um daqueles príncipes raros que a gente realmente se apaixona ao invés de achar chato. E Danielle, nossa Cinderela, é tenaz. Esperta. Bondosa e decidida. Um pouco ingênua, talvez, mas definitivamente à frente do seu tempo.
E falando em melhores adaptações de Cinderela até hoje não podemos deixar de citar, claro, a versão de 1997 com a talentosa Brandy Norwood como a protagonista, Whitney Houston como Fada Madrinha e Paolo Montalbán como Príncipe.
E depois de duas versões tão icônicas, era de se esperar que deixassem Cinderela descansar no “felizes para sempre”, mas não. Ainda tivemos Anne Hathaway, Hilary Duff, Selena Gomez, Lily James e outras versões menos memoráveis nos intervalos.
Em 2021 foi a vez de Camila Cabello. Sua Cinderela, apesar de sonhadora, é prática. Quer ter seu próprio negócio, seu próprio lugar no mundo, sendo focada nisso. Cabello é carismática, e sua versão traz mais força a personagem, mas seria injusto dizer que nunca tivemos Cinderelas determinadas no passado – a julgar o que falamos agora acima. Por se tratar de um filme musical, no entanto, Camila entrega belos vocais em cena e é o máximo que podemos dizer. Quanto a proposta de trazer uma versão modernizada do conto deixa a desejar, visto que a mais de uma década outras versões fizeram exatamente o mesmo – e melhor.
Mas o que nos interessa mesmo são os números musicais, que também são decepcionantes. As coreografias são previsíveis, e as músicas, com uma pegada pop, caem na mesmice. Algumas são boas, especialmente na voz poderosa de Idina Menzel, mas nada que nos faça ter uma súbita vontade de correr para o Spotify e ouvir a playlist num looping (como qualquer bom fã de musical). Elas também são um pouco inconsistentes com a narrativa das cenas, e ficam soltas no enredo do filme.
Há pessoas extremamente talentosas em cena, especialmente aqueles que vieram diretamente da Broadway, mas foram mal aproveitados. Os nomes de peso trazidos para o elenco têm arcos que seriam interessantes de serem desenvolvidos se não tivessem sido resolvidos tão rapidamente. É como se Cinderela (2021) tentasse ser várias coisas e falhasse em todas elas.
Se a BM tivesse uma escala de estrelinhas, daríamos uma.
Cinderella (2021) está disponível na Amazon Prime Video
👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻Parabéns!!! Belíssimo comentário.
Ever After sempre foi a minha versão favorita. Eu vi e revi várias vezes em fita casete que eu tinha gravado de alguma sessão da tarde! Angelica Huston é maravilhosa! Inclusive teve uma reportagem recente relembrando toda a carreira dela, achei magnífico! Sou fã dela desde convenção das bruxas e da família Adans. Nenhuma acalmada produção, mas são todas que marcam parte da infância e adolescência e que deixa aquele sentimento quentinho no coração sempre que revejo. Voltando ao musical, afinal é por isso que estamos aqui! A ideia do fado madrinho para mim foi sensacional! Ainda mais por ele ser negro, acho que essa versão que entrega mais do mesmo, entrega um pouco mais de representatividade. Um fado madrinho; uma cinderela latinha e não a típica garota branca europeia; e questão que não envolvem a vitimização, mas o enfrentamento, resiliência e otimismo.
Ah, voltei pq esqueci de comentar algo! Podemos pensar que a vida de várias princesas “plebeias” como a história da Cinderela, mas nem sempre a ficção vira realidade nos finais felizes.