BM REVIEW: A Festa de Formatura

Por Grégory Damaso.

Romance colegial, personagens gays, atores de musicais e muitas piadas: “A Festa de Formatura” (The Prom, no original) parecia ser feito sob medida para o diretor e produtor Ryan Murphy. E ele mordeu a isca. Em abril de 2019, anunciou que levaria o musical dos palcos para as telas e a partir de hoje podemos ver o resultado na Netflix.

O musical conta a história de Emma Nolan, uma garota do ensino médio na pequena cidade Edgewater, Indiana que quer levar sua namorada ao baile de formatura da escola e enfrenta a reação homofóbica dos alunos e seus pais, que decidem cancelar a festa. A polêmica chama a atenção de quatro atores de teatro musical fracassados, que vêem na situação uma oportunidade de melhorar suas imagens profissionais e vão até a cidade para ajudá-la.

Com músicas de Matthew Skylar, letras de Chad Beguelin e texto de Bob Martin, baseado numa ideia original de Jack Viertel, uma versão de palco estreou na cidade de Atlanta em 2016 e ficou em cartaz por pouco mais de um mês antes de chegar à Broadway em Novembro de 2018. Com Caitlin Kinnunen no papel de Emma, o elenco ainda contava com Brooks Ashmanskas, Beth Leavel, Christopher Sieber, Angie Schworer, Isabelle McCalla, Michael Potts, Courtenay Collins e Josh Lamon.

A peça foi elogiada pela crítica e ganhou fãs no mundo todo, especialmente depois de lançar o álbum do espetáculo ainda em 2018 (disponível nos principais streamings de música). Um destes fãs era Murphy, que também já criou séries como Glee, American Horror Story e Hollywood, e se juntou à Netflix para fazer uma versão cinematográfica da peça.

Elenco original da versão de The Prom na Broadway. Foto: Deen van Meer

O filme conta com Meryl Streep no papel de Dee Dee Allen, uma atriz da Broadway vencedora de dois prêmios Tony que foi duramente criticada por seu papel mais recente, James Corden como Barry Glickman, ator também massacrado pela crítica e precisa melhorar sua imagem, Nicole Kidman como Angie Dickinson, atriz fã de Bob Fosse que nunca teve a oportunidade de fazer seu papel dos sonhos no musical Chicago e Andrew Rannels no papel de Trent Oliver, outro ator fracassado que não consegue novos papéis.

No núcleo de Indiana temos Kerry Washington como a Srta. Greene, mãe e líder da Associação de Pais e Mestres que é contra a ideia de Emma levar uma garota ao baile e Keegan-Michael Key como Tom Hawkins, o diretor da escola e grande fã de Dee Dee. Além dos veteranos, temos também Jo Ellen Pellman como Emma, a garota que desafia toda a escola para levar sua namorada ao baile e Ariana DeBose como Alyssa Greene, a namorada de Emma que ainda não se assumiu publicamente.

Este é o primeiro grande papel de Pellman, enquanto DeBose já tem no currículo diversas aparições nos palcos, como nos musicais Motown, Pippin, Les Miserábles, Summer: The Donna Summer Musical e Hamilton (você pode vê-la na filmagem do musical que está no Disney+), além de estar no elenco da nova adaptação de West Side Story para o cinema, com previsão de estreia para 2021.

“A Festa de Formatura”, tem cerca de duas horas de duração e é bem fiel ao musical dos palcos. Para condensar toda a peça nas telinhas, a produção optou por encolher algumas músicas ao invés de cortar algum número, ou seja: todas as músicas do musical estão no filme, além de uma nova música original que está nos créditos finais da adaptação.

Mantendo o mesmo clima “comédia romântica” da peça, o filme usa recursos cinematográficos para expandir as possibilidades que o palco não permite. A mais frequente destas técnicas é a mudança de ambiente e figurinos que acontecem em uma simples mudança de take, permitindo cenários e maquiagens mais diversos e elaborados do que o teatro é humanamente capaz.

Outro uso frequente dos recursos audiovisuais é a inserção de pequenas cenas que traduzem visualmente algo que, nos palcos, era apenas mencionado, como o jovem Barry frustrado no baile de formatura de sua adolescência. Apesar da possibilidade, nem sempre o filme soube dosar sua necessidade, acrescentando pequenas cenas que poderiam continuar apenas nas falas dos atores, como a de Dee Dee vendo o programa de seu ex-marido, por exemplo.

Streep e Corden em cena como a dupla Dee Dee e Barry. Foto: Netflix

Uma excelente ideia foi unir as iluminações típicas dos palcos de teatro com a de bailes de formatura para criar suas cenas musicais. Uma vez que o longa fala sobre atores de musicais e festas do ensino médio, a fotografia dirigida por Matthew Libatique cria diversos ambientes não realistas com luzes bem coloridas para algumas cenas de música – o que é muito bem vindo num filme musical que fala sobre teatro – e que não causam estranhamento por representar o glamour da Broadway invadindo Edgewater e a vida de Emma.

As músicas foram bem adaptadas para as telas, o que nem sempre acontece. Pela experiência com Glee, Murphy soube incluir as canções nas cenas sem quebrar a narrativa e incorporar as coreografias originais assumindo que o filme não tem intenção de ser totalmente realista, como haters acham. Para quem conhece a versão de palco (ou apenas o cast recording), é legal ver todas as músicas ganharem uma versão na tela, apesar de que isso torna-lo maior do que uma comédia romântica comum seria.

Um ponto que decepciona nos números musicais é que a produção não soube encontrar uma boa forma de finalizar alguns deles. You Happened e Tonight Belongs to You acabam meio de repente, parecendo que ainda serão retomadas, mas não acontece. Outra canção que parece não ter recebido a atenção que devia foi o solo Alyssa Greene, que virou uma cena mais apressada, prejudicando um pouco a complexidade da personagem – que é uma das responsáveis pela polêmica que desencadeia todo a história – e diminuindo a dor que ela está sentindo.

Os grandes números, por outro lado, são o ponto alto, fazendo tudo o que fãs de musicais mais amam: um monte de gente aleatória dançando e cantando junto. Changing Lives, Tonight Belongs To You e Love Thy Neighbor entregam grandes coreografias com cenas complexas e bem produzidas para encher os olhos de qualquer Broadway stan.

Não são apenas essas cenas que chamam atenção, porém. Número menores como  Just Breathe, Dance With You, We Look To You, Zazz, The Lady Is Improving e Barry Is Going To The Prom tiveram um tom muito acertado. O destaque fica para a Unruly Heart, qual mostra que uma música poderosa e sincera é o suficiente para emocionar sem precisar de pirotecnias e 200 dançarinos.

Da esquerda para direita: Andrew Rannels, Nicole Kidman, Jo Ellen Pellman, James Corden, Meryl Streep, Keegan-Michael Key e Kevin Chamberlin. Foto: Netflix

O humor da peça ainda está presente na adaptação, mas com menos intensidade. Algumas cenas, como a dos atores no bar, não conseguiram ser tão engraçadas quanto são no teatro. Por outro lado, a metalinguagem continua fazendo rir pela ironia de ver, por exemplo, Meryl Streep dizer que é “uma atriz muito, muito, muito boa”.

As atuações de Streep e Nicole Kidman, sem surpresas, são excelentes, apesar do papel de Angie ser muito pequeno para uma atriz no nível da Kidman não só é uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood, mas também uma das 25 Melhores do Século XXI de acordo com o The New York Times. Sem querer, a produção reforça a narrativa da obra ao colocar uma grande atriz num papel que lhe dá pouco espaço, assim como sua personagem que passou a vida apenas no coro dos musicais.

Streep, que já rouba a cena sempre que aparece em qualquer produção, se apropria ainda mais desta função ao interpretar uma atriz que intencionalmente rouba a cena. Andrew Rannells também entrega uma boa performance no papel de Trent, apesar de ser um que não lhe dê muito espaço. Keegan-Michael Key entrega uma boa performance na pele do diretor que é firme quando precisa defender Emma, mas sabe ser sensível ao expressar seu amor pelo teatro. Kerry Washington também é destaque como a principal antagonista, expressando muito bem a raiva, egoísmo e antipatia da Srta. Greene.

Já James Corden, por sua vez, se viu no centro de uma polêmica em relação à sua atuação no filme. O apresentador do programa “The Late Late Show”  já fez diversas produções, inclusive musicais como Into The Woods (2014) e Cats (2019), mas foi duramente criticado por sua performance dessa vez. Muitas críticas se dirigem à atuação de Corden em si, mas a maior parte da revolta do público veio pelo fato dele, um ator heterossexual, interpretar um personagem homossexual estereotipado.

Cena de “A Festa de Formatura”. Foto: Netflix

Esta questão envolve o mercado de produções audiovisuais inteiro, no qual é muito comum encontrar atores hétero e cisgêneros interpretando personagens LGBTQ+ enquanto o oposto não acontece com a mesma frequência. A alegação é que atores, produtores e diretores usam narrativas de pessoas LGBTQ+ para ganhar dinheiro, fama e prêmios enquanto não oferecem oportunidades de emprego para pessoas reais desta comunidade.

A polêmica já apareceu em diversas produções como Clube de Compras em Dallas (2013), A Garota Dinamarquesa (2015) e Rocketman (2019). Em alguns casos, a repercussão negativa foi tão grande que fez artistas desistirem de papéis anunciados, como aconteceu com Scarlett Johansson e Halle Berry, atrizes cisgênero que desistiram de interpretar papéis de homens trans.

A problemática diz respeito à homotransfobia instituiconal das empresas de audiovisual e não tem nada a ver com a capacidade de atuação dos artistas. Apesar de ser uma questão muito maior que “A Festa de Formatura”, ela  não fugiu das críticas a esse respeito.

Novamente, é irônico ver a metalinguagem acontecendo: o personagem de James recebe críticas negativas e seu empresário diz “Não é o espetáculo, são vocês” (referindo-se à Dee Dee e Barry). É exatamente o caso de Corden: não é exatamente sua capacidade de atuação, mas quem ele é na vida real e o que estar neste papel representa.

Detalhe do poster oficial. Foto: Netflix

Sobre o papel de Barry Glickman, é importante notar que a produção cinematográfica se manteve bem fiel ao que foi criado nos palcos. O personagem é um gay estereotipado que ama musicais, roupas e, no caso do filme, a Beyoncé. Frequentemente sua feminilidade é usada como objeto de riso, o que parece contraditório numa produção que tem como mensagem a aceitação da diversidade sexual.

A situação ganha uma camada a mais de profundidade pela direção de Murphy. Ele não só é homossexual, mas também um forte defensor da diversidade, produzindo obras que oferecem oportunidades a muitas pessoas LGBTQ+ e de várias etnias tanto na frente quanto por trás das câmeras.

É de criação dele, inclusive, a série Pose, notável por ser até hoje a série com o maior número de artistas trans no elenco regular, além de também ter pessoas trans na equipe criativa. Esta característica de Murphy aparece no elenco do filme em relação à etnia, no qual podemos ver atores negros em papéis maiores e brancos, negros, latinos e asiáticos no coro de forma bem equilibrada.

Sobre a escalação de Corden, hétero, num papel de um homossexual, é preciso lembrar que o filme também faz o inverso: o ator Andrew Rannells, assumidamente gay, interpreta Trent Oliver, um personagem heterossexual. Ainda assim, isso é um exemplo de como as oportunidade são diferentes para atores héteros e homo: Corden tem um currículo muito maior do que Rannells nas telas.

Poster individual de James Corden. Foto: Netflix

Para além da polêmica que diz respeito à escalação, a criticada atuação do também apresentador, é o suficiente para que o personagem pede. Levando em consideração que o longa não tem intenção de ser uma grande obra do cinema mundial com as melhores e mais requintadas atuações da década, Corden dá conta do seu personagem, inclusive nos momentos mais dramáticos que fogem do humor que o artista está acostumado a fazer.

A principal diferença do filme para a peça, inclusive, é na narrativa de Barry. Nos palcos, ele apenas cita seus conflitos com a família homofóbica, enquanto o longa se aprofunda na questão. É uma alteração bem-vinda, porque amplia a mensagem basilar de aceitação, mas sem se extender desnecessariamente.

Talvez a mudança tenha partido de uma vontade pessoal do diretor do em retratar este tipo de conflito, uma vez que Murphy já revelou que apanhou de seu pai quando se assumiu homossexual e que seus pais já tentaram “curá-lo” de ser gay.

Ariana DeBose e Kerry Washington em “A Festa de Formatura”. Foto: Netflix

As atuações de Jo Ellen Pellman e Ariana DeBose também chamam atenção e entregam boas performances. O desaque fica com Pellman por interpretar a protagonista. Sua Emma é bem complexa e humana, que transita muito bem entre a corajosa garota que enfrenta uma escola inteira à uma vulnerável e insegura adolescente como tantas outras.

Um adendo em especial para o serviço da Netflix é sobre a produção das legendas. A versão em portugês, feitas por Rosana Cocink, tenta rimar ao traduzir as músicas, o que a leva a usar palavras não muito comuns e a fazer malabarismos nas frases para serem rimáveis.

Apesar da boa intenção, isso acaba confundindo a leitura da tradução, o que pode fazer o telespectador perder a imersão na cena. Seria recomendável que as legendas apenas traduzissem o que está sendo dito da forma mais curta possível utilizando palavras comuns do dia a dia.

Detalhe do poster oficial do filme. Foto: Netflix

No geral, Ryan Murphy e toda a equipe do filme entregam um ótimo filme musical para os amantes de produções da Broadway. Com destaque para o casal protagonista homossexual, o longa as retraram de forma positiva e humana, reforçando as bandeiras de inclusão e representatividade defendidas tando pelo diretor quanto pelo serviço de streaming.

A mensagem passada é extremamente positiva, porque, no final, todos nós devemos celebrar quem somos. 

Quem sabe este filme seja bem recebido e a Netflix passe a produzir mais musicais? Nós da BM iríamos amar! E você?

A Festa de Formatura está disponível na Netflix.

Dan Moura

Olá, meu nome é Daniel Moura, mas todo mundo me chama de Dan. Tenho 32 anos, e 10 anos atrás eu criei a Broadway Meme com o intuito de espalhar a palavra do teatro musical no Brasil.

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