Quem é Bruna Guerin? A gente responde: uma estrela do teatro musical brasileiro

Atriz foi vítima de ataques machistas na internet

Foto por Adriano Doria

Não, esse não é um texto sobre teatro musical. Não é uma review, não é uma curiosidade, não é uma notícia sobre um próximo grande espetáculo. Não, esse não é um texto divertido, engraçado, ou fácil de ler. Mas é necessário. E é necessário porque o teatro musical, embora seja a nossa pequena e bonita bolha, não passa ileso dos reflexos sociais que também fazem dele um ambiente tóxico e discriminatório. E por isso é importante falar quando as coisas saem do controle. A BM nunca se eximiu de se posicionar, e agora não será exceção. Então vamos conversar. 

Não acredito que vou citar o feminismo liberal de Barbie, mas por mais que se tenha críticas a ele, o roteiro da Greta é tão potente que ecoa. E para além dos vários ótimos momentos do filme, tem um que é tão drasticamente real que deixa a gente assim, meio Barbie Depressiva.

“Ainda estamos praticando [o patriarcado], apenas escondemos melhor agora”.

E, puxa. Como esse quote pega a gente de jeito.

O machismo nunca deixou de existir. Óbvio, eu sei. Mas quando temos um machismo nos pequenos detalhes, na fala problemática, no comentário pseudo-engraçadinho, a gente se engana. A gente pensa: tô querendo muito do homem, né? Todos eles vão ser machistas, então vamos pelo mal menor.

A gente aprende a aceitar que, uma hora ou outra, os namorados falarão absurdos, ou deixarão tarefas nas nossas costas, ou demandarão um cuidado que eles nunca serão capazes de corresponder. Porque, ah… ele é de esquerda. Ele lava a louça. Ele escuta Xadrez Verbal. Ele chora. Ele vai na terapia. Etc, etc.

Então a gente meio que se ilude mesmo, se permite achar que tá tudo bem porque é exaustivo pra caramba ter que militar o tempo todo. Mas aí, quando ele, o machismo, dá as caras, a gente vê como a coisa toda de patriarcado ainda tá tão profundamente impresso na nossa sociedade que chega a doer. É bizarro.

É o tal do machismo estrutural mesmo. É a tal da sociedade patriarcal. E é tão forte, mas tão forte, que se desconstruir é quase um nascer de novo. E de novo, e de novo.

E o processo de se desconstruir, por mais exaustivo e até chato que seja – porque é chato mesmo, tá tudo bem falar – nunca vai chegar aos pés do que é sofrer uma violência. Seja ela física, verbal, moral.

Se ver vítima, em sua unidade humana, de séculos de uma construção histórica e social, dói. Não, minto. Dilacera. A gente não está preparada pra sentir o peso inteiro da injustiça nas costas, e nem tem que estar. E o pior é que até nisso a gente tenta achar que é normal: se acostumar com a dor, se acostumar com o assédio, com a piada sexual, com o salário diferente – pra menos, claro, com as demandas absurdas, com o peso do trabalho doméstico, com a cobrança de ser mãe, com a cobrança de não ser mãe, com a expectativa do corpo perfeito, com as jornadas quádruplas, quíntuplas.

E nós, mulheres cis, mulheres trans, pessoas pretas, pessoas queer, sentimos isso na pele todos os dias. As cidades não foram construídas pensando em nós. O sistema não foi construído pensando em nós. Então todo santo dia é uma batalha constante.

É mesmo literalmente impossível ser mulher.

Esperam que a gente seja um conceito. Um corpo Barbie. Um aglomerado de seja isso e aquilo. E mesmo quando a gente só está fazendo o nosso trabalho – que já é difícil o suficiente, desafiador o suficiente, ainda somos vítimas da mentira, da especulação. Por que Deus nos livre um casamento chegar ao fim sem inimigos. Deus nos livre um relacionamento acabar sem um pivô terrível e dramático. E Deus nos livre uma mulher não ser o motivo de infelicidade da outra mulher.

O patriarcado comanda até a maneira como nos relacionamos uns com os outros: romântica e não romanticamente. E é tão intricado na nossa maneira de viver em sociedade que reproduzimos mesmo aquilo que nos machuca, que nos violenta. É difícil e doloroso entender que o patriarcado mata. É desconfortável conversar sobre temas que nos mostram como talvez estejamos nos relacionando de maneira tóxica. E aí a gente passa a naturalizar, a achar que é assim mesmo. Até que… a gente percebe que não precisa ser assim.

Só que infelizmente ainda não chegamos lá. Não totalmente. Na verdade, acho que nem estamos perto.

Não enquanto uma mulher é estuprada a cada dez minutos no Brasil. Não enquanto uma pessoa transfeminina é assassinada a cada 48 horas. Não enquanto olhamos para o lado e vemos mulheres completamente esgotadas pela carga invisível que carregam.

E aqui, óbvio, não estamos colocando todas as mulheres no mesmo combo da violência porque o recorte é essencial no estudo das questões de gênero, mas todas nós sofremos com o patriarcado. De diferentes maneiras, sim, mas ele nos impõe violências diárias.

Não atoa estamos exaustas.

Quando pensamos que as coisas estão melhorando, que estamos chegando a algum lugar, temos que ler manchetes que repetidamente colocam a mulher no lugar ingrato de pivô do ódio, da traição, da egoísta, da bobinha, da bonita, da avoada, da tomboy, da arco de redenção do protagonista, da bonita, da pegável, da mocinha, da virgem, da pra casar, da pra transar, etc.

Se é a favor de um homem, ou se é pra ser simplesmente contra a mulher – qualquer que seja ela – o ser atriz, cantora, dubladora, bailarina, ter formação em Rádio e TV, uma carreira consolidada no teatro a mais de vinte anos, não basta. A manchete reservada para você é um cruel “quem é” com o plus destruidora de lares.

O que mais a gente precisa ser para ter uma manchete digna, ao invés de ter sua vida virada de cabeça para baixo por uma mentira misógina?

Infelizmente não tenho a resposta definitiva porque esse corpo que escreve também é o corpo de uma mulher cansada, e nessas horas a gente tem dificuldade de ver as brechas coloridas de um futuro menos desesperançoso. Mas aí eu lembro do último ateliê de escrita que fiz, com outras 15 mulheres maravilhosas. Lembro das minhas amigas queridas, parceiras para todas angústias emocionais. E lembro que, mesmo que uma dor seja sentida de forma única, ela pode ser compartilhada, entendida, e a gente pode finalmente ser abraçada.

BM

Autora: Brígida Rodrigues

Como seria uma vida verdadeira pra mim

Brígida Rodrigues

Olá! Eu sou a Brígida, estudo Letras e sou uma completa apaixonada por Teatro Musical. Como os meus amigos não aguentam mais me ouvir falar da Broadway e afins, estou aqui para compartilhar um pouquinho desse amor com vocês.

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