“Estamos mudando rapidamente de uma era em que os negócios
eram nossa cultura para uma era em que a cultura será o nosso negócio.”
Marshall McLuhan
A produtora Polo BH tem sido a responsável por trazer vários musicais à capital mineira, proporcionando ao público esse gostinho não só da Broadway, mas de espetáculos nacionais belíssimos que reúnem grandes artistas brasileiros. O que antes ficava restrito ao eixo Rio-São Paulo pode finalmente estar encontrando o seu cantinho no coração das montanhas.
Marisa Machado Coelho, diretora da produtora, é a voz por trás dessa nova leva de espetáculos. E a BM conversa com ela para entender um pouquinho sobre como funciona esse universo complexo da produção cultural, especialmente quando o assunto é teatro musical – que geralmente atende a um público bastante específico e exige uma logística complicada e, muitas vezes, cara, para estar em turnê.
BM – As indústrias criativas tiveram um verdadeiro boom no brasil no início dos anos 2000, e foram ganhando força em meados de 2010 – especialmente o teatro musical. São Paulo ficou conhecida como a Broadway Brasileira, e depois de um quase uma década da apresentação de Os Miseráveis a capital paulista estreou praticamente um grande musical a cada dois anos: A Bela e a Fera, O Fantasma da Ópera, Wicked, Chicago, Cats, etc. O que você acha que mais fascina o público em relação ao teatro musical?
Avalio que ter diversas linguagens no palco, o teatro, a música, a dança e, em alguns casos, recursos audiovisuais e efeitos, torna os espetáculos mais potentes. Geralmente, os musicais trazem uma riqueza não apenas de texto e sonoridades, mas de cenário, figurino, dança…. Uma qualidade estética impecável, que enche os olhos de quem produz e assiste.
BM – Comenta um pouquinho pra gente como funciona a logística de trazer um musical em turnê para cá, quais as maiores dificuldades, desafios, e como tem sido a recepção do público mineiro a eles.
Os desafios são grandes, mas possíveis de serem superados. Belo Horizonte possui um público fiel, que gosta e consome as artes cênicas, em todas as suas linguagens. A cidade também é dotada de teatros maravilhosos, preparados para receber grandes produções e a plateia. O que ainda é muito desafiador é a falta de incentivo. Produzir teatro musical, no Brasil, é caro.
BM – O que você acha que Belo Horizonte precisaria para virar o seu próprio centro cultural? De lançar musicais autorais, e até, talvez, investir na compra de direitos de musicais da Broadway que não necessariamente venham em forma de turnê de São Paulo-Rio.
Belo Horizonte já é um polo cultural, um celeiro de grandes produções. Aqui é o berço de muitos grupos e artistas que hoje despontam no mercado nacional. BH ainda não é percebida pelas produções nacionais como estratégica para as estreias, mas estamos sempre entre a segunda e terceira cidade a receber os espetáculos. As parcerias com produtoras do eixo Rio e São Paulo são importantes nesse sentido. Mas, mais uma vez esbarramos na questão dos investimentos e na viabilidade de produção destes grandes musicais em BH. Os maiores patrocinadores do setor no Brasil ainda priorizam as produções que estão em São Paulo e Rio de Janeiro pelos seus históricos de atuação. Além disto, como a demanda pelos palcos de BH é muito grande, não há disponibilidade de pautas para que um espetáculo se apresente na cidade por mais de dois finais de semana o que torna ainda mais “cara” a montagem das estruturas necessárias para montagem de espetáculos internacionais, por exemplo, que exigem, muitas vezes, obras civis para abrigar suas estruturas cenográficas. E, por fim, importante observar que, apesar de BH ser reconhecida nacionalmente por sua capacidade de produção de óperas, por exemplo, ainda não há aqui uma “indústria” de produção de musicais com diretores, coreógrafos, atores, cantores, bailarinos, músicos e outros profissionais com foco nesta modalidade artística. Talento não falta. O que falta é investimento e iniciativa.
BM – Minas teria público para receber um mega musical, nível Fantasma da Ópera? Ou em se falando de musicais estruturalmente menores, mas ainda assim com direitos norte-americanos, como Waitress, seria possível uma montagem totalmente mineira? Ou seria muito improvável?
Belo Horizonte, assim como outras cidades de médio porte, tem potencial para receber qualquer grande produção. Não apenas para receber, mas para produzir. Como eu disse, a cidade é berço de grandes artistas e, também, de produtoras muito competentes. Mas, como disse acima, faltam incentivo, infraestrutura e formação.
BM – Qual a projeção que você dá para a indústria do teatro musical daqui a dez anos? Entendo que é difícil projetar qualquer coisa na cultura e nas artes porque dependemos muito da maneira como o governo vai decidir investir nessas áreas, mas pensando no melhor e no pior dos cenários, onde você acha que a capital mineira vai estar em relação aos musicais?
De fato este não é um momento oportuno para “previsões”. Mas me arrisco a fazê-las com base nas minhas crenças e até sonhos. Belo Horizonte vai continuar recebendo e aplaudindo os musicais produzidos em outras partes do país e poderá ser tornar também um núcleo de produção de espetáculos neste formato, oferecendo ao público uma oportunidade diferenciada de fruição dos mesmos e, principalmente, aos artistas, oportunidade de exercer seus talentos de forma mais completa.
BM – Você gostaria de estar diretamente envolvida na produção de um musical aqui em Belo Horizonte? Se sim, quais os desafios que você acha que encontraria para além dos que normalmente já existem?
Não só gostaria, como já estive envolvida e estarei. Os desafios, no que toca a estrutura, são os mesmos de uma produção teatral. Belo Horizonte já possui teatros com estrutura adequadas para produzir e receber grandes musicais, assim como equipes de profissionais qualificadas. Entretanto, esta estrutura e a disponibilidade dos espaços não são adequados para montagem de musicais internacionais, por exemplo, que, como já exposto, exigem até obras civis para a implantação de seus efeitos cênicos. Teremos ainda que atrair investidores para viabilizarmos estas produções e criar oportunidades de formação para os artistas locais.
BM – Geralmente, quando falamos em musicais, as pessoas automaticamente tendem a pensar na Broadway. Mas o Brasil já tem uma experiência muito longa com os antigos Teatros de Revista e outros formatos do gênero que se apresentam desde o século XIX, além de produzir excelentes musicais nacionais. A Claudia Raia mesmo é uma das artistas empenhadas em levar o máximo de espetáculos em turnê pelo país e até fora dele. Existe alguma previsão de um próximo musical nacional a vir para cá? Se sim, você acha que o público tem uma preferência entre musicais biográficos, com Bibi – uma vida em Musical, de resistência, como Ópera do Malandro?
Sim. E o próximo musical fará ESTREIA NACIONAL em Belo Horizonte: “Clube da Esquina – Os Sonhos não envelhecem”, com temporada de 19 a 28 de agosto, no Sesc Palladium. Uma produção que chega à cidade intermediada pela Pólobh. Sobre o público, a nossa cidade é bem eclética. Aqui, há espaço para todas as linguagens. No caso dos musicais, os biográficos fazem muito sucesso, porque há uma curiosidade por parte das pessoas por conhecer a história do personagem, mas já presenciei outros, não biográficos, que tiveram grande aceitação pelo público.
BM – Em Nova York, um musical precisa fazer sucesso de bilheteria. Não há nenhuma contraparte do governo. O que é ruim, no sentido de que musicais grandes como Hamilton e Fantasma da Ópera sempre terão um espaço porque continuarão a atrair investidores, mas musicais menores vão enfrentar sempre a instabilidade de se manter aberto ou não. No West End, já há uma contraparte do governo e um interesse de investir nas indústrias criativas. E, no Brasil, para além dos patrocinadores existem as leis de incentivo. Qual a importância, na sua opinião, das leis de incentivo para o fomento à cultura, especialmente em se tratando de espetáculos complexos como os musicais, que envolvem um elenco muito específico, tecnologia, cenário, estrutura, etc?
As Leis de Incentivo existem, mas as dificuldades aumentam a cada dia. Sem incentivo, não é possível produzir grandes ou pequenos espetáculos. A cultura, em todas as suas linguagens, precisa de investimento tanto da esfera pública quanto privada. É preciso uma união da cadeira produtiva da cultura – produtores, artistas e demais profissionais – para que o setor seja valorizado. E isso tem acontecido.
BM – Em estimativa (Souza, 2011; Agência Indusnet Fiesp, 2013), o Brasil foi considerado a alguns anos como o terceiro produtor mundial de montagens de teatro musical, sendo antecedido apenas pelos Estados Unidos, claro, e pelo West End. A Coreia do Sul, no entanto, e até a Austrália são países que, de alguns anos pra cá, tem investido fortemente neste mercado. Você acha que o Brasil está perdendo esse lugar ou ainda consegue se manter como um forte produtor de musicais?
O Brasil está passando por momentos difíceis no setor cultural, em todas as esferas, e isso temos acompanhado diariamente, há bastante tempo. E aqui acho importante lembrar que estamos falando de um setor que gera emprego e renda.
BM – Em São Paulo, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o setor que mais se destacou nos últimos 12 anos foi a do Teatro Musical, e só em 2018 gerou mais de 1 bilhão de reais. Além disso, o setor empregou 5 milhões de pessoas, tem um forte peso econômico e potencial urbano, impacta socialmente, gera milhares de empregos diretos e indiretos, além e ser responsável por quase 4% do PIB. Mesmo entendendo que São Paulo é uma das maiores cidades do mundo e um forte pólo econômico, pergunto por que Belo Horizonte ainda está tão atrasado em relação a cultura, se o retorno que ela dá é tão promissor.
Não considero que Belo Horizonte esteja atrasada em relação à cultura. Nossa indústria é tão potente quanto à de São Paulo se considerarmos a proporcionalidade em relação ao tamanho do mercado. Ou seja, também contribuímos aqui com a geração de empregos e geração de renda, movimentação da economia, em diversos setores e todos os outros benefícios que a indústria cultural promove. Mas, com mais investimentos, tanto público quanto privados, esta potência ficará mais evidente e os benefícios amplificados.
BM – Por último, queríamos agradecer imensamente não só a atenção, como a extrema delicadeza por ter nos recebido aqui na sede da produtora. Também gostaríamos de agradecer por fazerem esse trabalho quase impossível que é a produção cultural, e dizer que vocês têm toda a nossa admiração por trazerem musicais para o nosso estado. Infelizmente, não é viável viajar sempre à São Paulo ou ao Rio, e existem muitos fãs espalhados pelo Brasil que ficam só sonhando em assistir musicais porque eles nem chegam perto de sair desses polos. Pensando, então, em produções nacionais, tem alguma história, livro, filme, música brasileiros que você gostaria de ver se tornando musical e que ainda não foi adaptado? De repente, investir em mais produções nacionais seria uma forma de ver essas peças correndo mais pelo Brasil?
Sim, e isso já tem acontecido, mesmo que ainda de forma mais tímida com relação a outros países. O Brasil é um país que produz e consome cultura, além de ser um celeiro de importantes personagens e histórias que podem ser traduzidas em espetáculos musicais. É o que teremos agora, com o Clube da Esquina em que, pela primeira vez Belo Horizonte vai se reconhecer no palco de uma grande produção nacional. Será uma delícia compartilhar com o público as histórias, o talento e as inesquecíveis obras desta turma que se reuniu um dia em uma esquina da cidade para ganhar o mundo com o melhor da música em todos.
“Os sonhos não envelhecem”, musical sobre O Clube da Esquina, fará a sua estreia no dia 19 de agosto no Grande Teatro do SESC Palladium. Ingressos já estão à venda.
Que entrevista perfeita! Amei saber que vai ter musical do Clube da Esquina S2
Maravilhosa entrevista! Que ótimo ter um novo parâmetro quando se pensa em musicais em BH. Clube da Esquina vai abrir muitas portas 🙂