Por Manuella Garcêz
Para muitos amantes de teatro musical, Stephen Sondheim é um baluarte do gênero, o melhor compositor de todos os tempos. Com sucessos como West Side Story, Gypsy e Into the Woods no currículo, o americano é conhecido por suas letras inteligentes e bem escritas.
Entre esses sucessos, muitos viraram filmes. West Side Story teve a versão clássica de 1961 com Rita Moreno e o remake de 2021 com Rachel Zegler e Ariana DeBose. Into the Woods foi adaptado pela Disney, sem muito amor do público, e trouxe Meryl Streep como a Bruxa. E Sweeney Todd também chegou ao grande público em uma versão com Johnny Deep e Helena Bonham Carter.
E, em março de 2022, o espetáculo finalmente ganhou uma versão de palco totalmente brasileira trazida a vida pelo trio Zé Henrique de Paula (direção geral), Fernanda Maia (direção musical) e Adriana Del Claro (produção geral) — mesma equipe que em 2018, produziu o sucesso O Grande Cometa de 1812.
Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet chega a São Paulo com montagem de sua versão original, fazendo curta temporada no 033 Rooftop do Teatro Santander, localizado no Complexo JK Iguatemi. O espetáculo traz nomes de peso do teatro musical, como Andrezza Massei no papel da Dona Lovett e Mateus Ribeiro como o jovem Tobias Ragg, e Rodrigo Lombardi no papel-título, sendo a estreia do ator como um protagonista de musicais.
Há muito tempo Lombardi é apaixonado pelo gênero. Já havia feito Urinal, dirigido pelo Zé Henrique no Teatro do Núcleo Experimental, e sempre comentava seu amor por essa arte. Uma vez, ele perguntou ao Zé sobre uma montagem de Sweeney no Brasil e recebeu a resposta “já pensei em você.” Três meses depois, o Zé tinha os direitos da peça e assim começou a jornada de mais um espetáculo de Sondheim no Brasil.
Para esta autora, é sempre uma oportunidade incrível assistir estreias e primeiras apresentações ao público e, no final da temporada, ver novamente e enxergar a evolução natural da companhia. Mas, com Sweeney Todd, mesmo que os olhos mais atentos consigam observar os nervosismos e espaços para crescimento, o espetáculo já vem firme em sua primeira performance. Lombardi dá vida a um sólido Sweeney, que retorna a Londres em busca de vingança após ser obrigado a ir embora devido a brigas com o cruel juiz da cidade. O ator consegue trazer a amargura do barbeiro, dominado pelo ódio, e isso se vê (e se escuta) logo em seu primeiro número, como ‘Não Há Nada Igual Londres‘ (No Place like London, no original).
Ao seu lado, e com uma parceria inegável, Andrezza Massei prova porque é uma das grandes estrelas do teatro musical brasileiro. Sua versão da Dona Lovett consegue caminhar tranquilamente entre a mulher apaixonada (de forma não-recíproca) e aquela que só quer sobreviver mais um dia, sempre com pitadas de uma psicopatia tão comum a sombria história. Ela se destaca logo em seu primeiro número, ‘As Tortas Mais Ruim de Londres’ (The Worst Pies in London) e traz uma Dona Lovett única e muito pessoal. Até se pode tentar procurar similaridades com as performances marcantes de Angela Lansbury, Patti LuPone ou Helena Bonham Carter, mas a Lovett de Massei triunfa em ser só sua e de mais ninguém.
Massei e Lombardi, assim como todo o elenco, se valem muito das boas versões de Fernanda Maia, que também assina a direção musical, as quais não deixam nada a desejar. Na coletiva, Maia disse que as letras abrasileiradas eram apenas “um pálido reflexo” do que Sondheim criou. Pois eu discordo. À sua maneira, e com máximo respeito as palavras originais, a maestrina faz um trabalho árduo e muito inteligente em manter a cadência das letras e melodia sem perder a complexidade na sua construção — algo que Sondheim tanto prezava.
Propondo uma experiência imersiva, o 033 Rooftop se transforma na Londres vitoriana e coloca o espectador no meio da ação ao ter quatro palcos espalhados pelo espaço. “A gente não dividiu o palco em 1, 2, 3 e 4. A gente trouxe vocês para dentro do nosso universo”, disse Lombardi e é exatamente o que acontece. O público está de fato na Rua Fleet e, dependendo do setor, vê os acontecimentos passarem ao seu lado, podendo até interagir com os atores (confira as visões aqui). E isso torna tudo mais especial.
O ensemble, composto Diego Luri, Renato Caetano, Sofie Orleans, Pedro Silveira, Edmundo Vitor, Bel Barros, Pamella Machado, Davi Novaes, é quem dá vida, de fato, a esta experiência. Além da excepcional atuação e canto, cada um traz especificidades a seus personagens e cativa a plateia ao brincar com ela, a tirando do mero papel de espectador e trazendo-a para o espetáculo. Em sua boa química como um grupo, eles apresentam um trabalho primoroso, essencial para a garantia do alto nível do musical.
Entre o elenco coadjuvante, é nítido como as escolhas foram acertadas. Um dos maiores destaques é Dennis Pinheiro, que dá vida a Anthony, o marinheiro apaixonado, e empolga com sua voz espetacular e entendimento do amor ingênuo que o personagem vive. Definitivamente alguém pra ficar de olho. Ao seu lado, Caru Truzzi brilha como Johanna, cantando mesmo como um rouxinol e tentando trazer mais vida à personagem que, no roteiro original, é mais apagada. Amanda Vicente, que tem um papel importante na história, esbanja seu talento em seus momentos sob os holofotes.
A dupla do cruel Juiz Turpin de Guilherme Sant’Anna e seu fiel companheiro, o Bedel Bamford de Gui Leal, traz os momentos de inquietação da história, com sua narrativa vilanesca recheada pela ganância, poder e as graves vozes qud dão arrepios do jeito que deveriam. Boa parte do lado cômico da peça fica com as interações entre Tobias Ragg, interpretado por Mateus Ribeiro, e Adolfo Pirelli, papel divido por Elton Towersey e Pedro Navarro.
Na estreia, o papel foi interpretado por Navarro que brilhou durante toda a cena de seu “milagroso” elixir e a competição de barbear, fazendo o charlatão com tanta convicção que até quem conhece a farsa se pergunta se não é real. Já Ribeiro mostrou mais uma vez toda sua versatilidade artística, proporcionando risadas e performances de tirar o chapéu, como no número ‘Eu Não Vou Deixar‘ (Not While I’m Around).
Com áreas instagramaveis para registrar a experiência, cardápio que inclui tortinhas do chef Mario Azevedo e figurinos lindíssimos por João Pimenta, e que merecem nosso aplauso, Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet deixa sua marca na história no teatro musical brasileiro e honra o legado e memória de Stephen Sondheim. Uma experiência que não se pode perder, e quando vista mais de uma vez sempre trará novas descobertas, mostra como um bom material com uma boa equipe torna as ideias, por mais simples que sejam, em inovações surpreendentes. É mais um acerto do trio Zé Henrique de Paula, Fernanda Maia e Adriana Del Claro.
No programa do espetáculo, Zé Henrique faz uma referência a uma frase clássica do musical Sunday in the Park with George, de Sondheim, e que virou até título de um livro do compositor. Ele diz: “Olha, nós fizemos um Sondheim”. Sim, fizeram. E como fizeram bem.
SERVIÇO
Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet
Local: 033 Rooftop do Teatro Santander – Complexo do Shopping JK – Av. Juscelino Kubitscheck, 2041 – Itaim Bibi, São Paulo – SPi
Datas: Curta temporada até início de junho
Horários: Sextas 21h30; Sábados 16h e 20h30; Domingos 18h
Duração: 120 min (com intervalo de 15 minutos)
Classificação: 16 anos
Ingressos: A partir de R$ 37,50 (via Sympla)
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