O Fantasma da Ópera: a obsessão pela perfeição

Repleto de romance, intrigas amorosas, injetado com uma estética puramente gótica e de drama inspirado pelas grandes óperas, O Fantasma da Ópera tomou o coração de muitos, se tornando até hoje uma das obras de teatro musical mais reconhecidas pelo público geral, ao mesmo tempo elogiada pelo núcleo da dramaturgia e da música.

Seu enredo é mítico: um triângulo amoroso entre Christine, a donzela com a voz angelical que sonha com o protagonismo em sua vida, Erik, seu professor e tutor que tem tratamento possessivo com a arte e suas relações pessoais, e o Visconde Raoul, um nobre e burguês romântico que age como produtor e investidor da carreira de sua amada.

Ao transcrever mais sobre as relações dos três e analisar suas músicas, uma verdade interessante consegue ser percebida: o triângulo amoroso é um reflexo dos conflitos internos de Christine, sendo ela e o Fantasma a mesma pessoa, tentando ser persuadida pelo rapaz que se compromete romanticamente a viver a realidade com ele, mas tentada ao seu outro lado, mais obcecado pela arte e pelo impossível, a busca eterna pela perfeição. São afirmações ousadas, eu sei, mas vamos por partes.

Renascentismo e a hipervalorização da perfeição

O Renascentismo foi um movimento artístico que permeou os séculos XIV, XV e XVI (14, 15 e 16), conhecido pelo retorno da estética Clássica e por uma maior aproximação ao real das obras criadas nesse período. Isso pode ser visto nas pinturas de perspectiva e alta fidelidade de Leonardo da Vinci, os corpos detalhados de Michelangelo, entre outros grandes nomes do universo das artes plásticas. Esse movimento também reforçou uma hipervalorização do perfeccionismo, vindo bastante dos ideais de representar a realidade com a maior fidelidade possível. Mas esse perfeccionismo foi tão contagiante que se entranhou em todo o ambiente artístico, seja dança, música, ou pintura, e continua até hoje.

É fácil ver comentários a alguma obra pela sua atenção aos detalhes, principalmente quando é uma representação da realidade! O musical, que se passa no século XIX (19), é muito próximo desse contexto, a dinâmica competição entre os artistas do teatro de Paris dentro da peça é um show de horrores quando o assunto é a obsessão por ser a melhor artista, para se manter no mercado de trabalho. E essa pressão e estresse pesa sobre a protagonista, que, assim como Nina Sayers, de Cisne Negro, apresenta alguns sinais de delírio como sintoma disso.

O Fantasma existe? Narrador não confiável

Um tema recorrente na peça é a existência do Fantasma, ou melhor, a dúvida de sua existência. Desde o começo, nenhum personagem conclui com certeza que ele existe. A música tema diz, com todas as palavras, que o Fantasma vive dentro de Christine, verso por verso. O que leva a perguntar: o que estamos vendo na peça é exatamente como aconteceu? Ou é uma alegoria?

Parte da graça do musical é que essa dúvida persiste até o final. Mesmo no momento do baile de máscaras, em que Erik faz uma aparição pública, existe uma dúvida sobre sua identidade, pois todos estavam mascarados. Isso coloca Christine como uma narradora não confiável, já que a história parte do ponto de vista dela, que obviamente iria esconder os assassinatos, subornos entre outros crimes que realizou durante seu domínio do teatro, por trás de uma máscara chamada Erik. Assim como Narciso, Christine e seu reflexo, Erik, em busca de sua própria perfeição, se unem dentro de uma prisão trágica.

Conclusão

O drama de Christine, dividida entre sua personalidade e a do Fantasma, com as tentativas do Visconde de controlar a carreira dela com uma visão prática e comercial da arte, forma uma grande crítica ao mercado da arte em si — esse que leva artistas a viverem em estresse, ansiedade e insegurança.

Claro que o musical, assim como o filme Cisne Negro, eleva isso a um nível mais absurdo, mas ainda permanece fiel a uma situação real, uma tragédia que é vivida por inúmeros artistas, que tentam sobreviver trabalhando com o que amam. Mas, no fim, essa é apenas uma interpretação da peça. Uma interpretação que, para mim, a deixa muito mais interessante do que apenas um romance gótico.

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