Chuva, carnaval e saudade: BM Entrevista Sara Chaves

Durante uma tarde de chuva, a Broadway Meme conversa com Sara Chaves, protagonista do musical "Mundaréu de Mim".

Logo ao descer as escadas rolantes da estação Barra Funda, assim que desembarquei em São Paulo em um domingo nublado de manhã, fui recepcionada por um cartaz alegre e colorido, contrastando com a previsão do tempo e o cinza do concreto da estação: a energia do Carnaval em pleno outubro de “Mundaréu de Mim” é contagiante e escancara o espírito da folia. Sem nenhuma surpresa, a protagonista do musical mais recente do consagrado Vitor Rocha (“Cargas D’Água” e “Se Essa Lua Fosse Minha”), Sara Chaves emana a exata mesma felicidade.

O talento de Sara não era estranho para mim: nos palcos, tive o privilégio de vê-la no divertidíssimo “Brilha La Luna” em 2022, na única sessão em que fez a protagonista Luna, em “O Despertar da Primavera”, entre outros. Em “Mundaréu”, porém, ao conversar sobre nossas experiências na cena de teatro musical do Rio de Janeiro constatei que o fato de só tê-la conhecido pessoalmente agora, e em São Paulo, era no mínimo irônico. Entre amigos em comum pelos palcos cariocas, ela ri e resume perfeitamente: “O Rio de Janeiro é um ovo”.

Foto: Caio Gallucci

Aos 24 anos, Sara já tem uma linda carreira em construção. Formada em artes cênicas pela CAL e natural de São Gonçalo, já estrelou em “Mamma Mia”, de Moeller e Botelho, “Benjamin, O Palhaço Negro”, de Belfort Produções, e “O Despertar da Primavera”, também da dupla Moeller e Botelho. Além do teatro fez parte do elenco do filme musical “Poema”, de Jay Vaquer, como a personagem Carol. Agora, em “Mundaréu”, encara desafios completamente diferentes: fazer um musical ao ar livre em uma estrutura de palco mais parecida com um parque, o chamado “brinquedão”.

Enquanto Sara me apresentava a estrutura imensa construída para o musical no Parque Água Branca, que envolviam uma arena a céu aberto e um grande parque que compunha o cenário, fomos abordadas por um fã que esperava a abertura dos portões para a próxima sessão, que seria a última da temporada, e disse que já havia assistido o musical diversas vezes. O assunto introduz a primeira pergunta dessa quase-entrevista: qual foi o primeiro contato de Sara com o Rochaverso (nome carinhoso dado pelos fãs aos musicais autorais de Rocha). Ela então me conta como assistiu “Cargas D’Água” no Rio de Janeiro, em uma edição do Dia dos Musicais em 2019 por acidente. Ela queria assistir “Brilha la Luna” e acabou ficando para as outras sessões do dia. “Foi amor à primeira vista”, ela conclui.

Anos depois, Sara dá vida a Graciela, a doce protagonista de “Mundaréu de Mim”. O musical conta a história de como a menina foge de casa durante o carnaval para realizar o sonho de desfilar na avenida. No meio do caminho, encontra José, um homem que já virou saudade e que busca a ajuda de alguém ainda vivo para falar com uma pessoa do seu passado. Como Graciela precisa de alguém que a ajude a escapar da mãe e entrar na avenida, eles decidem se apoiar e acabam vivendo uma aventura capaz de redesenhar a história da vida dos dois do começo ao fim. Com dramaturgia de Vitor Rocha, músicas de Gui Leal e grande elenco, o musical fez temporada durante todo o mês de outubro na Arena do Parque Água Branca, na Barra Funda.

Foto: Vinicius Silva

Ela conta que o processo foi um sonho. Os três dias de audições, realizados como um workshop com a diretora Duda Maia e os ensaios focaram muito em trabalho de corpo, que Sara pontua como uma de suas coisas favoritas no musical. “Ela (Duda) não queria entregar nada antes da hora, e sim que a gente fosse experimentando coisas”, explica. “Foi diferente de tudo que eu vivi.”

Enquanto conversávamos sobre a euforia de Sara ao ser comunicada que havia sido selecionada para o papel, fomos surpreendidas pelo maior desafio de interpretar “Mundaréu”, segundo ela: o clima de São Paulo. Isso porque, devido à arena a céu aberto e o palco complexo, a menor chuva faz com que a sessão seja cancelada por motivos de segurança. Para o nosso azar, no último domingo da temporada do musical no Parque da Água Branca, um temporal castigou a Zona Norte da cidade, cancelando as duas sessões. Uma pena, mas enquanto corríamos de volta para o camarim para nos proteger da chuva, ela ri. “É essa aventura que a gente passa aqui. Choveu, já era. É uma experiência quase de ‘Rock in Rio'”.

Foto: Caio Gallucci

Ao final da temporada, Chaves reflete sobre a experiência com brilho nos olhos. “Eu tive muito medo quando soube do cenário de 15 metros, da complexidade, mas acho que é um musical revolucionário por ser acessível”, ela explica, ao contar histórias de pessoas que tiveram seu primeiro contato com teatro musical naquela arena. De fato, “Mundaréu” teve uma procura absurda em sua curta temporada, e mesmo com o risco da chuva, havia uma grande fila de espectadores ansiosos para as últimas sessões. “É um musical pra toda a família, e às vezes o público assistia de fora da arena, uma experiência que te faz se sentir criança de novo”. A temática, sobre Carnaval, também a fez muito feliz. Mas ela garante que é um carnaval diferente. “Eu trouxe minhas referências do Rio, ritmos brasileiros, mas o trabalho corporal é entender o que é o carnaval ou o samba de cada um”, explica. Para ela, a pluralidade é o que define o musical.

Outro tema muito importante para a história é a saudade, que Sara sente de perto: morando em São Paulo longe da família pela primeira vez, ela teve relação próxima com a emoção. “Me pegou muito. A todo momento eu sentia saudade no meio de tantas mudanças”. Depois de três meses de processo, desde ensaios até o fim da temporada, a saudade agora tinha um outro peso para ela. “Eu tratava como uma coisa ruim, mas hoje eu celebro mais a saudade. Quase como uma esperança.”

Para encerrar a conversa, pergunto a Sara se “Mundaréu” vai deixar saudade. “A gente fala sobre a saudade no espetáculo e acha que vai estar pronto no dia, mas não estou. Eu sinto gratidão, mas também fica aquele gostinho de quero mais. Quem sabe a gente não consiga uma temporada no carnaval?”. Considerando que o musical foi indicado a 6 categorias no Prêmio Destaque Imprensa Digital incluindo na categoria de Musical, a saudade definitivamente se torna esperança.

Dan Moura

Olá, meu nome é Daniel Moura, mas todo mundo me chama de Dan. Tenho 32 anos, e 10 anos atrás eu criei a Broadway Meme com o intuito de espalhar a palavra do teatro musical no Brasil.

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