Todo mundo PRECISA falar sobre a poc! Adaptação cinematográfica de Everybody’s Talking About Jamie é bom para quem já gostava da obra original e ótimo para novos fãs.
Por Clara Brandão
“Essa história aconteceu de verdade, nós só adicionamos a música e dança.”
É assim que Everybod’s Talking About Jamie, o novo filme original do Amazon Prime Video, começa. Cheio de personalidade e carisma, o musical de sucesso do West End em Londres conta a história de Jamie New (Max Harwood), um adolescente de 16 anos que tem um sonho nada convencional para sua cidade do interior: ser uma drag queen. No meio de muita música e dança, e com o apoio da mãe (Sarah Lancashire), Jamie encontra seu lugar no mundo.
Analisar a adaptação de uma obra que já existe (e que eu amo) é complicado. Ao mesmo tempo que esperar algo exatamente igual é impossível, considerando que são duas mídias completamente diferentes e o que funciona no palco não necessariamente funciona nas telas, é injusto com ambas as partes. Colocar o peso das expectativas já estabelecidas em uma produção que amo tanto em uma nova obra é fadar a nova a não ser o que eu esperava. Porque, mal ou bem, não é mesmo e nem sempre isso é ruim.
A história é a mesma e as músicas em sua maioria também, mas um é um e o outro é outro. E eu estaria mentindo se dissesse que acho que o filme é “melhor” que o musical, mas se deixa algo devendo é muito pouco. A versão das telas é charmosa, visualmente linda, colorida, com performances sólidas de todos os atores. É uma adaptação que soube mudar onde precisava, mas compensar o que foi cortado.
No fim das contas, é um exemplo positivo de um dos maiores problemas em relação a filmes de musicais: a guerra para agradar a todos, tanto quem já gostava do musical no palco e quem não conhecia.
Os destaques do filme estão com Richard E. Grant, no papel de Hugo/Loco Chanelle, e Sarah Lancashire, como Margaret, mãe de Jamie. Para a surpresa de ninguém, considerando que esses são os personagens mais fortes, junto ao próprio Jamie, e com os melhores solos (mesmo que a linda If I Met Myself Again, cantada por Margaret, tenha sido cortada).
Os números musicais, como Work of Art, estão lindos. Este, inclusive, conseguiu ser ainda mais desesperador nesta versão através de uma direção criativa ousada que funciona algumas vezes mais que outras, mas quando acerta, acerta bem — e tem ainda uma participação mais que especial da drag queen Bianca Del Rio.
Um dos números cortados na transição palco-cinema foi o solo The Legend of Loco Chanelle, um dos melhores do musical para mim. E, mesmo com a minha preocupação quando descobri não estar no filme, ela não fez a menor falta. Se eu dissesse que não chorei em This Was Me, a música que substitui o momento, estaria mentindo. É sobre isso e tá tudo bem.
Eu não sei ainda como me sinto com a inserção da narrativa sobre HIV no musical, considerando que Jamie é um dos poucos musicais LGBTQIA+ que eu conheço que não envolve nenhum tipo de final triste por conta da doença — e nem precisa, considerando que ele se passa nos dias atuais e o estigma relacionado ao HIV ainda existe, mas estamos numa situação melhor em relação a tratamento e prevenção. Porém, o momento foi emocionante de qualquer forma, adicionando bastante à história do Hugo, que passou pela crise dos anos 80 e 90.
O tema é tratado de forma muito delicada como um documentário e uma homenagem sensacional ao musical original, tendo John McCrea (o Jamie original!) como a Loco Chanelle em seus anos de juventude. Um momento que definitivamente emociona quem conhece o musical e sabe quem é na tela, e quem assiste pela primeira vez, colocando duas gerações diferentes e seus contrastes, uma demonstração de como, mesmo ainda sendo difícil, estamos numa situação melhor por conta de quem lutou e morreu lá atrás. Drag queens (e eu posso extrapolar aqui para toda a comunidade LGBTQIA+), não são só rainhas, e sim guerreiras, como diz Jamie.
Outra coisa muito legal do filme, que a peça não permitia acontecer por conta da diferença de formato, foi ver a performance do Jamie em drag! A vantagem de ser um filme editado é que a transformação não precisa acontecer em cinco minutos no meio do palco em Over The Top. O longa aproveitou completamente a linguagem cinematográfica e criou um ótimo momento catártico.
Como nem tudo são flores, é claro que algumas coisas incomodam. O teor geral dos diálogos soa mais sério, mais emocionado, como sussurros, enquanto no musical original todos os personagens tinham muita energia e eram engraçadíssimos. O Jamie original de McCrea é uma bola de energia, rodando pelo palco, fazendo piada, com aquele tom sarcástico pelo humor que é muito famoso na maioria das drag queens, algo apropriado para o personagem. Já o Jamie de Harwood é mais tímido.
Ainda que faça sentido com a narrativa do garoto que sabe o que quer, mas precisa arrumar a coragem para anunciar ao mundo, surpreende a falta de energia no filme. Os sussurros dos personagens é constante e acaba que, nos momentos de clímax, suas vozes mais altas parecem mais agressivas do que deveriam. Não é ruim, só diferente. Vale dizer também sobre a questão técnica e como os fundos feitos por chroma key são mal cortados, impossibilitando desver uma vez que você tenha reparado.
No fim das contas, é um filme perfeito? Não. Mas tem uma mistura de charme e carisma que consegue agradar e trazer o espírito do musical original de um jeito efetivo e emocionante, que fala especialmente com quem já se sentiu isolado por ser quem é.
Everybody’s Talking About Jamie está disponível na Amazon Prime Video
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