BM escreve: A cenografia, o lixo e o que aprendemos com “Bob Esponja, O Musical”

Foto Léo Aversa/Divulgação

“Bob Esponja, o Musical” já é um pedaço de mídia aclamado por muitos. Tanto sua história que te dá um quentinho no coração e diverte do início ao fim, quanto suas músicas bem marcantes, compostas por músicos famosíssimos como Elton John e David Bowie. Mas tem um aspecto em especial que o diferencia de todos os musicais do momento: sua cenografia e figurino. Não apenas por ser esteticamente de tirar o fôlego, com cores vibrantes e totalmente estilizado, mas porque são idealmente revolucionários. Tudo isso foi iniciativa da diretora Tina Landau e do designer David Zinn, que tiveram esse enorme desafio de adaptar um visual já tão icônico e cartunesco com o desafio de, nas palavras do próprio David,  “trazer todos esses elementos 2D para o 3D”. 

Bob Esponja foi um desenho criado por Stephen Hillenburg, um biólogo, que tinha como premissa conscientizar crianças sobre a beleza do bioma marinho e os perigos que sofre por ações humanas. Era bem sutil, mas toda a sociedade e estrutura da Fenda do Bikini e além, os problemas que Bob e seus amigos enfrentaram, eram todas consequências da interferência do ser humano no ambiente. Por exemplo: as construções todas são modificações de objetos descartados no mar, assim como a própria história de Sandy, um esquilo-fêmea forçado a fugir de seu habitat devido ao desmatamento. Com isso em mente, Tina pediu especificamente que o cenário e figurino tinham que espelhar isso, com uma mensagem ecológica intrínseca. 

Foto Léo Aversa/Divulgação

David Zinn absorveu tudo isso e produziu peças de figurinos incríveis e um cenário impressionante, utilizando, como matéria prima, objetos cotidianos. Garrafas PET e sacos plásticos se transformaram em algas e flora marinha; luvas de boxe nas pinças de Seu Sirigueijo; tubos e canos de construção em corpos de seres marinhos figurantes; cadeiras, escadas e caixas de papelão para criar a grande montanha do final da história… uma produção muito rica em detalhes e fundamentação. Apenas um musical que não estava sendo levado a sério para convencer os diretores da Broadway que seu cenário iria ser feito de lixo. Mas foi exatamente essa audácia que concedeu a David a um prêmio Tony de design de figurino e cenografia em 2018, merecidíssimo. 

Mas e aí? Qual a consequência disso no final das contas? É apenas uma ideia enclausurada numa obra específica? Torcemos que não seja. Um dos maiores problemas da produção cenográfica e de figurino que temos hoje é o descarte dela. Sabemos disso mais que ninguém, com eventos como o Carnaval, e quanto material é descartado após a grande apresentação. Apesar das escolas de samba exercerem doações, reutilização e reciclagem de peças, de acordo com a Comlurb (órgão responsável pela limpeza da cidade do Rio de Janeiro), só na passarela após os desfiles, foram contabilizadas 25 toneladas de resíduos, incluindo penas falsas, lantejoulas e isopor, que desprendem dos carros e figurinos. A área da cenografia então acaba criando um volume desnecessário de lixo, que tem um fim complexo, por serem peças muito específicas e trabalhadas, sendo um pesadelo para a reutilização e reciclagem. Esse projeto feito para um musical baseado num desenho infantil abriu o precedente para uma discussão muito pertinente,  encorajando  um movimento que vem crescendo dentro do Design e Arquitetura em resposta a tudo isso: o design regenerativo.

O design regenerativo é uma resposta à industrialização em massa, ao mesmo tempo que corresponde a uma evolução do design sustentável. Com a situação do meio ambiente atual, pensar em produtos recicláveis, biodegradáveis, e afins não é o bastante, se torna necessário medidas que procurem não só retardar o desequilíbrio ambiental mas que também possam regredi-lo. 

Uma vertente desse movimento é o uso de material descartado como matéria prima, já que uma das maiores questões contemporâneas são as léguas continentais de lixo existentes, e que podem ser solucionadas gradativamente se, em vez de continuar a extração de matéria virgem, tivesse o esforço de reaproveitar o que já foi extraído. E se esse esforço fosse focalizado também em grandes produções artísticas? O impacto positivo que essa mudança de perspectiva poderia causar é inimaginável. A equipe de Bob Esponja provou que é possível, e deu um ótimo exemplo e lição para outras produções: basta ter interesse. 

BM

Autor: Alex M.
Edição: Brígida Rodrigues

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