Assassinato para Dois. Quando lemos este nome em uma peça logo pensamos se tratar de alguma história policial sombria. Não pensamos, de jeito nenhum, que vamos entrar no teatro e dar gargalhadas durante 90 minutos – como é o que acontece na montagem brasileira do musical de Kellen Blair e Joe Kinosian, cuja estreia rolou no início do mês no Teatro das Artes (SP).
Montado originalmente em Chicago ainda em 2011 como Murder for Two, o espetáculo até tem a vibe policial, em uma história a la Agatha Christie que toma como mote o clássico “quem matou?”. No enredo, um famoso escritor de uma pacata cidade na Nova Inglaterra é assassinado durante sua festa surpresa de aniversário, cheia de conhecidos seus. E fica a cargo do policial Marcos Moscowicz vigiar a cena até que o detetive chegue para começar a investigação. Porém, o sonho de Moscowicz é ser um investigador e ele se vê com a oportunidade perfeita para desvendar o mistério e ganhar pontos, e uma possível promoção, no trabalho.
A história toda é encenada por apenas dois atores: Thiago Perticarrari e Marcel Octavio. Enquanto Perticarrari dá vida ao guarda e seus conflitos internos, Octavio tem o desafio de interpretar não um, nem dois, mas NOVE dos convidados da festa – e que são todos suspeitos do crime.
De verdade, não consigo me lembrar da última vez que dei tanta gargalhada com um musical como aconteceu quando fui assistir a Assassinato para Dois. O roteiro original de Blair e Kinosian é primoroso e consegue navegar de maneira muito fluída pelo humor sem, nunca, esquecer o fio da meada: desvendar um assassinato. Mas, aqui, o que brilha mesmo são os atores e sua química no palco.
Com tantos personagens diferentes para interpretar, Marcel Octavio faz parecer tudo tão simples e não deixa o público duvidar nenhuma vez de quem está falando. A cada mudança de papel, sabemos muito bem quem está em cena. A construção dos suspeitos é única, com trejeitos, modos de falar, e expressões faciais e corporais bem pensadas e, principalmente, bem executadas. Você simplesmente sabe que se ele jogou o cabelo, quem vai falar é Steph, a sobrinha do morto, mas se ele junta as mãos na frente do corpo, definitivamente é a Sra. Whitney, a viúva da vez. A atuação de Octavio é hipnotizante e suas escolhas cênicas são muito do que surpreende a plateia e a faz gargalhar alto por vários minutos – tão alto que as vezes não dá para ouvir as falas.
Ao seu lado, Perticarrari também entrega uma atuação de muitas facetas, mesmo sendo um só durante o espetáculo todo. Marcos traz, de base, um conflito muito grande dentro de si, inicialmente como um profissional rígido e focado em seguir as regras e o código policial – e isso é transmitido tanto em sua maneira de falar e de se portar. Mas, com a evolução da história e o caminho que a narrativa toma, camadas deste Marcos são reveladas ao público, nos levando a entender o porquê de suas escolhas e até mesmo amaciando essa armadura que ele apresenta primeiro. E parece não haver ninguém que poderia nos mostrar isso tão bem quanto Thiago Perticarrari.
E, por mais que seja uma dupla que carrega o show, há um terceiro ator mais-que-importante: o piano. Como não há banda, todas as canções são tocadas no palco por um dos atores e, às vezes, pelos dois juntos. Tendo uma partitura complexa, e que não permite improvisos, é preciso que eles estejam em sincronia com o instrumento e um com o outro. Se isso é tão difícil quanto parece, não dá para perceber. Os três conseguem dialogar muito bem e os números tocados a quatro mãos são um show a parte.
Na equipe criativa, Zé Henrique de Paula, Anna Toledo e Fernanda Maia provam o motivo de seus nomes serem tão fortes e respeitados na indústria teatral brasileira. A direção de Zé é hipnotizante, com as escolhas de posicionamento de palco e timing na adaptação do roteiro para a vida real certeiro como uma flecha. As versões de Anna foram muito bem pensadas, conseguindo adaptar números complicados e até inserindo piadas muito nossas para aproximar o público do espetáculo. E Fernanda mostra mais um trabalho primoroso, com os dois atores executando as canções no piano de forma eximia e com uma preparação vocal impecável, reforçando ainda mais o tamanho de seus talentos.
Entregando performances sensacionais, elevando muito a barra de uma comédia musical, e com o entrosamento entre os atores sendo o ponto-chave da produção, Assassinato para Dois é definitivamente a melhor comédia em cartaz atualmente em São Paulo e, possivelmente, vai ser uma das melhores coisas que você pode assistir este ano.
SERVIÇO
Assassinato para Dois
Local: Teatro das Artes – Shopping Eldorado – Av. Rebouças, 3970 Lj 409 – Pinheiros, São Paulo – SP
Datas: Curta temporada até 1° de dezembro
Horários: Terças e quartas, 20h
Duração: 90 min
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