Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco que Canta na Broadway 

Quando ouvi Sweeney Todd pela primeira vez, senti uma conexão imediata, quase visceral, com aquele universo sombrio e melancólico. Os tons escuros das músicas me despertaram um misto de medo e fascinação, me lançando em um estado de alerta que me prendia ainda mais. Mesmo assustado pela agressividade da trama e dos personagens, fiquei encantado com aquele mundo perverso e hipnótico, que parecia me puxar para cada segredo das ruas de Londres. E foi logo na abertura, com The Ballad of Sweeney Todd, que esse fascínio começou: a melodia tensa, quase ameaçadora, me arrastou para a história de vingança e dor, dando o tom para o que se tornou uma das minhas experiências mais marcantes no teatro musical.

Lançado em 1979, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, criado pelo icônico compositor e letrista Stephen Sondheim e pelo dramaturgo Hugh Wheeler, tornou-se um clássico absoluto do teatro musical. Inspirado na história fictícia de um barbeiro assassino na Londres vitoriana, o musical permanece vivo no imaginário popular, atravessando décadas com adaptações cinematográficas, novas montagens e uma base fiel de fãs. Explorando temas de vingança, obsessão e justiça, Sweeney Todd se destaca não só pelo enredo sombrio e personagens complexos, mas também pela música densa e intricada que trouxe um tom inovador ao teatro musical.

A origem e a inspiração sombria

A história de Sweeney Todd tem raízes profundas no folclore vitoriano, mas a versão de Sondheim foi baseada no texto de Christopher Bond, escrito em 1973, que enriqueceu o conto tradicional com uma motivação de vingança. Ao transformar o barbeiro em uma vítima das circunstâncias, Bond adicionou uma camada emocional e moral à narrativa, o que chamou a atenção de Sondheim. Fascinado pela possibilidade de misturar um gênero de horror ao teatro musical, Sondheim mergulhou nessa obra, trazendo sua marca de lirismo sombrio e complexidade musical para dar vida a um dos personagens mais intrigantes de sua carreira.

Elementos do musical: muito além do horror

O enredo gira em torno de Sweeney Todd, um barbeiro que retorna a Londres após anos de exílio injusto, buscando vingança contra o juiz que arruinou sua vida. Ao lado de Mrs. Lovett, uma parceira no crime e dona de uma loja de tortas de carne, ele cria um esquema macabro para se vingar, transformando suas vítimas em recheio das tortas vendidas por Lovett. A história cruza o macabro com o cômico de maneira ímpar, brincando com o grotesco de forma quase operística.

Musicalmente, Sweeney Todd é uma obra monumental. A partitura incorpora elementos da ópera, usando a música para amplificar a tensão psicológica e o terror em cena. Ao contrário de outros musicais de Sondheim, como Company ou Into the Woods, que exploram temas mais universais como relacionamento e família, Sweeney Todd se destaca por sua intensidade narrativa. A música de Sondheim vai além do convencional, com tons dissonantes, ritmos complexos e melodias recorrentes que representam a deterioração psicológica de Todd e a obsessão crescente de Mrs. Lovett.

Desde a abertura com o tema The Ballad of Sweeney Todd, que introduz o clima sinistro e os perigos à espreita, até solos marcantes como Epiphany, onde Todd revela sua angústia e sede de vingança, as canções exploram a mente perturbada dos personagens e os dilemas morais da trama. Já A Little Priest, um dueto entre Todd e Mrs. Lovett, equilibra humor negro e ironia, transformando um plano macabro em algo perversamente cômico. Cada número musical avança a narrativa, capturando o público em uma espiral de suspense, onde a música amplifica a intensidade da trama e aprofunda o terror em cada cena

Adaptações cinematográficas e legado cultural

Em 2007, Sweeney Todd chegou às telas do cinema pelas mãos de Tim Burton, que trouxe seu estilo sombrio e visualmente marcante à obra. Johnny Depp assumiu o papel principal, com Helena Bonham Carter interpretando Mrs. Lovett, em uma adaptação que capturou tanto a beleza quanto o horror da história. Embora o filme tenha simplificado alguns dos elementos musicais mais complexos, ele permaneceu fiel ao espírito original de Sondheim, levando o musical a um público ainda maior e conquistando novos fãs.

O sucesso da adaptação cinematográfica reavivou o interesse pelo musical no teatro, e a obra continuou a ganhar novas montagens ao redor do mundo, cada uma oferecendo sua interpretação única da sombria Londres de Todd. 

Ao longo das décadas, Sweeney Todd atraiu alguns dos mais talentosos intérpretes da Broadway, sempre trazendo uma dimensão particular ao papel sombrio do barbeiro. Desde a performance inaugural de Len Cariou em 1979, cuja interpretação atormentada definiu o personagem com profundidade e intensidade, até George Hearn, que trouxe sua própria marca de complexidade emocional ao papel em várias montagens subsequentes, o personagem foi moldado por atores de renome. Angela Lansbury, que originou a personagem de Mrs. Lovett, trouxe humor negro e carisma inesquecíveis à parceira de Todd, criando um contraste fascinante com a escuridão da história.

Em 2023, o tenor Josh Groban assumiu o papel de Todd na Broadway, explorando novos tons vocais e emocionais no personagem, e contracenando com Annaleigh Ashford como Mrs. Lovett. Groban trouxe sua potência vocal característica e uma vulnerabilidade inesperada ao papel, adicionando uma nova camada de humanidade e paixão à obsessão de Todd, e reimaginando o clássico para uma nova geração.

No Brasil, a recente montagem de Sweeney Todd em São Paulo aconteceu no 033 Rooftop do Teatro Santander, no Complexo JK Iguatemi, reunindo grandes nomes do teatro musical brasileiro. Rodrigo Lombardi fez sua estreia como protagonista de musicais no papel de Sweeney Todd, com Andrezza Massei como Mrs. Lovett e Mateus Ribeiro como Tobias Ragg. O barbeiro demoníaco retorna a São Paulo a partir de 2025, no Teatro Santander, em uma temporada especial que traz Saulo Vasconcelos interpretando o personagem-título.

Por que Sweeney Todd é diferente dos outros musicais de Sondheim

Ao longo de sua carreira, Sondheim revolucionou o teatro musical com histórias que desafiam as convenções de gênero e público. Sweeney Todd é o ápice dessa inovação: uma combinação de terror, comédia, e drama psicológico, com uma profundidade musical que raramente é vista no teatro. Ao contrário de outros musicais de Sondheim, que tratam de questões modernas e cotidianas, Sweeney Todd se aventura em temas de vingança e justiça, com uma trama digna de um thriller.

Sondheim declarou em várias entrevistas que, para ele, Sweeney Todd era quase uma ópera. A complexidade da partitura e a profundidade emocional das letras evidenciam o diferencial dessa obra em relação aos seus outros trabalhos. Em vez de abordar temas “comuns”, ele oferece uma narrativa de horror quase shakespeariana, mergulhada em simbolismos e ambiguidade moral.

Um legado eterno

Quatro décadas depois de sua estreia, Sweeney Todd ainda ocupa um espaço único no teatro musical, e para mim, tornou-se uma experiência transformadora. A cada vez que revisito sua música, sou transportado para um universo onde o horror e a humanidade se entrelaçam de uma forma hipnotizante. Os temas sombrios, a comédia macabra e a profundidade psicológica dos personagens continuam a me fascinar, revelando novos detalhes que me prendem e desafiam. Sweeney Todd é muito mais do que um musical; é um mergulho nos recantos mais profundos da natureza humana, onde a vingança se transforma em uma história memorável e a melodia persiste como um legado eterno.

Então, senhores, peguem suas navalhas e venham comer “a torta mais gostosa de Londres”, e aproveitem essa obra magnifica. 

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