HAIR: Facetas da liberdade

Hair é um musical de James Rado e Gerome Ragni, com composições musicais de Galt MacDermot, que estreou off-Broadway em 1967 e na Broadway em 1969. A obra foi um testemunho dos picos culturais da época, suas revoluções estéticas e ideológicas, tudo relacionado a uma contracultura crescente.

Os cabelos longos, as roupas extravagantes, os estilos desinibidos e a conexão com o espiritual são alguns exemplos da sinergia que se espalhava dentre os jovens. Como resposta, a sociedade revidou com exaltação aos “bons costumes”, reforçando os ideais de família nuclear, religiosidade cristã e militarismo.

Obviamente, esses dois movimentos antagonizavam um ao outro, em um sentimento de embate concentrado na polêmica Guerra do Vietnã. Um lado usava a guerra como arma para reforçar a cultura tradicional, e o outro a abominava pela brutalidade exercida através do exército.

A obra explora os conflitos de uma sociedade estadunidense fragmentada e complexa, em uma época de liberdade e severidade. Aqui, analisaremos duas adaptações marcantes da história original: o filme de 1979 e a versão brasileira de 2025, em abordagens vastamente diferentes. A adaptação cinematográfica enfrenta o desafio de contar a história de forma mais coerente, realista e estruturada, enquanto a montagem brasileira de 2025 luta para adaptar uma narrativa extremamente americana para outro país com outra cultura.

Com isso, temos uma versão mais “pé no chão” e uma versão que se aproveita da suspensão de descrença do teatro para seguir uma direção mais performática e expressionista. Porém, não foi apenas o modo de contar a história que mudou ao longo dos anos. No caso do filme, os próprios temas centrais foram alterados, como aconteceu ao musical Cabaret, também fortemente ligado a um período histórico muito específico.

Todas as versões de Hair são tragédias, mas por motivos diferentes.

A principal diferença entre as duas versões é a relação entre o grupo que acompanhamos. Com um núcleo de personagens bem menor, o filme se concentra em uma pequena comunidade, formada por Woof, Jeannie e Hud, que abraça um novo membro, Claude Hooper Bukowski, e depois, Sheila Franklin.

Aos poucos, vemos esse grupo de pessoas tão diferentes criando uma família, se acolhem como são, e assistimos como seus laços sobrevivem ao cenário político conturbado da época e a eles mesmos. Esse é o ponto principal da história. Com isso, o filme consegue traduzir para as telas a vivência de estar dentre os jovens chamados de “hippies”, que buscavam alguém que enxergasse, compreendesse, encontrando um senso de comunidade fora de suas famílias de sangue e das estruturas governamentais. 

Apesar de sua mensagem muito bonita, o longa não se acovarda de fazer críticas ao movimento, sem demonizar, mas contrariando a romantização e priorizando um retrato fiel. A presença forte de drogas dentro das comunidades é retratada de maneira realista e honesta. Sim, era um instrumento para libertação de uma realidade agressiva, mas com possíveis consequências na vida dessas pessoas, como vemos quando Bukowski desaparece após tomar LSD, sem saber onde está ou quem é.

Esse padrão de liberdade e consequência é frequente no filme, como a gravidez de Jeannie, o abandono parental de Hud, e os planos mirabolantes de Berger. Berger é o “líder” do grupo, que preza por ações inconsequentes em um discurso de liberdade. Ele tem uma forte rede de apoio, focada majoritariamente em sua mãe. Isso o coloca em uma posição muito diferente dos outros, já que sempre poderia voltar para sua família de sangue quando quisesse. Suas ações desafiadoras ganham camadas de privilégio, pois ele tem o poder de se rebelar sem sofrer tanto no processo.

Em nenhum momento, a narrativa culpabiliza ou inocenta os seus personagens por completo, e essa é a chave para a representação real dos personagens.

A versão de 2025, de Charles Möeller e Cláudio Botelho, diverge principalmente pelo núcleo maior de personagens, dissolvendo sua narrativa dentre todos eles, mas também por abusar da arte performática para contar a história em subtexto e subjetividade, casando bem com a psicodelia. Isso deixa a peça menos estruturada do que o filme, visto que ela se apoia mais nos visuais e nas canções para a conexão emocional com a história. 

Como a história começa com a comunidade já solidificada, a jornada se baseia mais nos conflitos que ameaçam o seu desmembramento, como o desgaste da relação entre Berger, Sheila e Claude. Este ganha um protagonismo maior, com sua família permeando a história e exigindo seu alistamento.

A Guerra do Vietnã é mais destacada, mostrando sua oposição ao sentimento das liberdades: psicodélica, sexual, pessoal. A diferença entre os jovens do grupo e suas redes de apoio também é evidenciada: Berger era estudante e largou a universidade, mas ainda mantém esse lugar na sociedade. Sheila assume que tem dinheiro, o que a permite viver de frequentar protestos e grupos sociais. Claude tem conflitos com sua família, mas permanece próximo a ela. É fácil de enxergar a dificuldade de se afastar da sociedade como um todo, e o instinto de criar a sua própria sociedade dentre semelhantes.

Independente da versão, Hair, perto de completar uma trajetória de 60 anos, segue sendo um testamento sobre liberdade, contracultura e as pessoas que foram transformadas por esses movimentos.

Texto: Alex M.
Edição e revisão: Jackson Guilherme

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