Festival MINITRAMA: A Creche dos Musicais

Da esquerda para a direita: Marcelo Albuquerque, Luiz Buarque, Gabriela Alkmin e Cleto Araújo.

Antes de falar, a gente balbucia.

Antes de andar, a gente engatinha.

Antes de estrear, a gente faz… um minimusical?

Mas como, onde e por que fazer um minimusical?

“Aqui no MINITRAMA, costumamos dizer que um musical ir da página (ou tela) direto pro palco é como matricular um recém-nascido na faculdade. Assim, encaramos nosso festival como uma “creche dos musicais”: onde um musical ensaia seus primeiros passos, celebra suas primeiras conquistas e tem o privilégio de crescer a partir dos erros.”

O Festival MINITRAMA é um evento criado pelos dramaturgos e amigos Gabriela Alkmin, Luiz Buarque e Marcelo Albuquerque. Com a proposta de apresentar musicais de até 20 minutos, ele acontece no Rio de Janeiro e está em sua 2ª edição. 

Ao proporcionar um espaço livre para a criação, o festival funciona, sobretudo, como um ponto de encontro para a Galera do Musical e um incentivo à formação de criativos do mercado carioca.

Acredito que o conceito de Mini-musical é mais sobre escala, no caso, sua proposta é se opor ao conceito de Mega-Musical.

O Mega-Musical foi um movimento de origem britânica e surgiu entre os anos 70 e 80. Consiste em shows com grandes elencos, cenários épicos, números melodramáticos e uma previsão de lucros altíssima. Entre os mega-musicais, se destacam Cats (1981), Les Miserábles (1985) e O Fantasma da Ópera (1986) – todos produzidos por Cameron Mackintosh. Títulos como Wicked (2003) e os musicais da Disney também entram no jogo.

Notou algo em comum?

Todos ficaram em cartaz na Broadway por no mínimo 13 anos. Todos eles tiveram montagens réplica no Teatro Renault com o Selo Broadway de Qualidade.

Sabe mais algo que eles têm em comum?

Todos eles passaram pelas previews, isto é, aquela fase antes da estreia destinada aos ajustes dependendo da resposta do público.

Lá na gringa, isso é padrão de produção. Todo musical da Broadway passa pelo workshop, depois pelas previews e termina na estreia. Aqui no Brasil, isso infelizmente não é realidade. Quando o dinheiro é o limitador, não se pode fazer muita coisa.

E é esse problema que o MINITRAMA busca resolver: ao reduzir a escala do musical, sem cenários exuberantes nem elencos numerosos, os criadores podem testar e focar no principal: a história. 

Considero o festival tanto como espaço de experimentação quanto como oportunidade de entretenimento. Por isso, queria entender a perspectiva de vocês: o mini-musical é o intermédio ou é o produto final?

“[…] As duas ideias existem na perspectiva do projeto, pois entendemos o festival como um “produto final” formado por vários “intermédios”. […] Reduzir o tamanho das apresentações possibilita condensar gastos e ainda assim apresentar uma experiência com “início/meio/fim” aos espectadores. Quem escreve/compõe, por sua vez, pode testar as bases de sua ideia e evitar grandes mudanças estruturais nas próximas etapas de desenvolvimento.”

Musicais são um paradoxo narrativo: ao passo que são longos, dependentes do andamento das canções, devem ser concisos e diretos. Com isso em mente, como é a experiência de escrever mini-musicais?

“Quando comprimimos o tempo de duração, essa necessidade de concisão só cresce: se num musical de dois atos os primeiros 10 minutos são cruciais, em um mini-musical cada segundo conta.

GABRIELA ALKMIN, participante da 1ª edição: “O mini-musical foi uma oportunidade perfeita para entender qual era a essência da história que eu queria contar. Além disso, me permitiu viver na prática todos os desafios de materializar idéias de uma forma mais concisa e portanto mais fácil de lidar. Eu adaptei cenas e músicas de acordo com o que acontecia na sala de ensaio e isso me ajudou a pensar que era possível fazer o “Entre Dias de Sol” acontecer assim como outras idéias.”

LUIZ BUARQUE, participante da 1ª edição: “Nunca vou esquecer o ensaio aberto de “Caravana!”, musical que apresentei no festival em 2023. Ele aconteceu poucos dias antes do MINITRAMA e bateu aquele nervoso clássico de quando nosso trabalho tem contato com o público pela 1ª vez. O diferente, dessa vez, foi que a sensação de dever cumprido vencia o nervosismo: como a premissa do festival era pesquisar uma versão bem objetiva do musical, foi muito mais fácil focar no que era relevante naquele momento (testar se a relação do protagonista com a plateia funcionava) e curtir o resultado do trabalho que desenvolvemos. E caso alguma coisa não saísse como o esperado… era melhor saber disso com 20 minutos de material do que depois de investir mais tempo e trabalho em uma versão mais longa.”

MARCELO ALBUQUERQUE, participante da 1ª edição: “Acho que o desafio foi entender sobre qual a temática o musical queria tratar e ir direto a ela. Isso significou no “Avenida 7” deixar o público a par da situação que aqueles personagens estavam no momento específico em que a história começa a ser contada. Um tempo curto significa fazer um recorte naquelas vidas e pensar nas canções como forma de dilatar os estados emocionais em meio à jornada de cada um. Foi um desafio e um exercício muito bom, principalmente quando você percebe que o público foi envolvido e que de alguma forma se conectou com aquilo tudo, dentro de tão pouco tempo. Intensidade, fôlego e ritmo são talvez palavras chaves para se pensar num musical curto.”

Sinto que é fácil cair no conceito do “Público Hipotético Que Não Consome Musicais Originais Brasileiros”. Pensando na abertura a títulos originais, como vocês enxergam o contexto real e concreto do mercado carioca?

“Antes de dar um “zoom” no Rio de Janeiro, precisamos lembrar que a relutância em investir em novas histórias é global e afeta diversos segmentos: as franquias hollywoodianas, reboots de séries, remakes de novelas e musicais baseados em propriedades intelectuais famosas são prova disso. 

Falando especificamente dos musicais brasileiros, vemos que a retomada do formato (iniciada no final dos anos 1990) foi majoritariamente impulsionada por montagens internacionais e pelas biografias de grandes nomes da nossa MPB. Os autorais nacionais existem (e resistem), mas ocupam uma fatia menor do mercado e raramente conseguem competir com os  orçamentos desses outros dois gêneros (uma exceção recente sendo “Tarsila, a Brasileira”). 

Felizmente, porém, estamos vendo obras autorais chegando ao palco com mais frequência, conquistando um público fiel e sendo preservadas em álbuns (“Se Essa Lua Fosse Minha”, “Conserto para Dois”, “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”) ou livros (“Trilogia Para a Vida” do Núcleo Experimental). 

Não coincidentemente, nenhum desses musicais começou no Rio.

Apesar de termos artistas incríveis escrevendo projetos autorais na cidade (Tauã Delmiro, Jay Vaquer, Josimar Carneiro, Wladimir Pinheiro, Karen Acioly, etc), ainda não consolidamos um movimento como o que acontece em São Paulo. 

O MINITRAMA surge em grande parte do desejo dos idealizadores de criar um evento capaz de aproximar quem está escrevendo e compondo aqui na cidade. Essa coletividade é muito importante para que possamos fazer um “raio-x” da comunidade, mapeando seus artistas e ouvindo suas necessidades. 

Uma coisa relativamente simples, mas que ajudaria muito nesse “mapeamento” é a questão do crédito: é muito importante que as produções autorais creditem seus autores(as) e compositoras(es). 

Mesmo quando quem faz as canções também faz a direção musical ou quem escreve o texto também dirige, essas funções precisam ser creditadas separadamente para reforçar sua existência e familiarizar o público com elas.”

“Também reforçamos a importância da formação nas áreas de escrita e composição: Nos últimos anos, acompanhamos o surgimento de vários cursos para atores e a consolidação da ideia de que é necessário muito estudo para estar no palco de um musical. Queremos consolidar essa mesma consciência para quem trabalha nos bastidores do teatro musical.

Investir no combo “formação + oportunidades de desenvolvimento” é crucial para que obras autorais tenham processos criativos mais sustentáveis (artística e financeiramente) e mais chances de entrar em cartaz. 

E se desejamos ter cada vez mais trabalhos autorais nos nossos teatros, precisamos não só investir na formação de quem escreve, mas também aproximar o público do processo criativo, desmistificando as “engrenagens” e dando ferramentas para que ele dialogue com novos projetos de forma mais ativa (através de leituras abertas, rodas de conversa, sessões de feedback, etc).”

O que vocês esperam de novo para a segunda edição? Qual é a maior diferença em comparação à primeira?

“Ano passado, na edição de estreia, tivemos apenas um dia de apresentação e três musicais. Chegamos ao segundo ano com três dias de festival e quatro musicais, além da continuidade do bate-papo com as equipes e a introdução de quatro oficinas (nas áreas de técnica vocal, dramaturgia, interpretação e composição).

Outra diferença é que estaremos em um espaço que comporta um maior número de espectadores (o teatro do Centro Cultural Justiça Federal, no Centro do Rio): isso amplifica a troca dos espetáculos com o público, gerando um feedback mais rico para os autores.

Essa expansão também possibilita que cada musical faça duas apresentações em dias distintos, podendo coletar mais informações sobre a reação dos espectadores ao material e até fazer alterações entre uma sessão e outra.”

Sei que existem outros festivais especificamente especializados em teatro musical. Como funciona o evento e quais serão as atividades?

“O MINITRAMA funciona da seguinte forma: após a seleção dos projetos de cada edição, as equipes têm em média dois meses para levantar cerca de 15 minutos de material para apresentar nos dias de festival. Como atividade de encerramento, todos os times se reúnem para um bate-papo sobre seus processos de escrita.

A partir desse ano, no período da tarde, realizaremos oficinas com artistas convidados (Chiara Santoro e Daniel Chagas) e com o trio de idealizadores do festival (Gabriela Alkmin, Luiz Buarque e Marcelo Albuquerque).

A apresentação do evento segue com Stella Maria Rodrigues e a produção com a “Acorde Produções Artísticas”.

Em relação aos festivais citados na pergunta, eles influenciaram bastante a concepção do formato que escolhemos para o nosso. Pois, como o Festival Paulista de Teatro Musical (FPTM) e o Festival de Teatro Musical de Niterói (FTM NIT) apresentam musicais “na íntegra”, buscamos abrir espaço para musicais que ainda estejam iniciando sua trajetória de desenvolvimento. Queremos com isso estimular o surgimento de um “ecossistema” repleto de oportunidades que contemplem as diferentes etapas de criação de um musical.”

Sonhar é de graça! Pensando em um futuro distante (ou nem tanto), onde vocês querem chegar com o MINITRAMA? Qual impacto efetivo no cenário teatral do Rio?

“Sonhar é de graça, mas produzir um festival de musicais não (rs). Então, após duas edições produzidas de forma independente, sonhamos com o impulso financeiro de um edital ou patrocínio. 

Isso possibilitaria expandir nosso processo seletivo (com um edital e a contratação de uma banca externa para avaliar os projetos), aumentar o valor da bolsa-pesquisa recebida pelos autores e investir no registro dos materiais desenvolvidos dentro do evento (em vídeo ou através da publicação dos textos e partituras). 

Queremos também ampliar o contato com as produtoras, para que a presença delas na plateia ajude os musicais que se apresentarem conosco a seguir suas trajetórias depois do festival. 

Finalmente, para enfim consolidarmos uma cena de musicais autorais cariocas, precisamos que exista um público fixo para esses espetáculos. Assim, queremos cada vez mais fazer com que as plateias do MINITRAMA sintam-se parte ativa do processo criativo e se engajem na causa dos musicais criados na cidade.”

Sabe quando o Walt Disney veio ao Rio por conta da política da boa vizinhança? Sabe quando ele lançou um monte de filmes com o Zé Carioca pra ficar bem na fita com o Brasil? Pois então.

O papagaio Zé Carioca é, também, uma crítica. Na gringa, somos os repetidores. Animais excêntricos, emplumados, que aprendem a repetir e se tornam atração. Não podemos nos sujeitar somente a isso.

Não me leve a mal, eu amo teatro musical e eu sei que é uma forma de arte estadunidense. Sei que meus ídolos dessa forma de arte falavam inglês. Não estou aqui para cuspir no prato que eu como diariamente. Mas, quando olho para nós, vejo que temos tanta história pra contar

Por que não nos emocionamos com o que é nosso? 

Por que não consumimos aquilo que é feito pelos nossos? 

Por que não apoiamos a nossa galera?

“Acreditamos que apoiar nossos musicais em todas as etapas de desenvolvimento é essencial para fortalecer a cena autoral no Brasil. E sabemos também que nenhum projeto consegue dar conta disso sozinho. Sonhamos então em integrar um “ecossistema” cada vez maior de festivais, incubadoras, workshops e outras iniciativas que ajudem nossos autores e autoras a contar nossas histórias. 

“Histórias” no plural mesmo: nosso país é continental e precisa expandir as vozes que ocupam seus palcos. Precisamos de musicais pretos, originários, LGBTQIAPN+ e que explorem todas as belezas e complexidades da nossa cultura. 

Queremos também estar sempre em contato com nossa comunidade de pessoas que escrevem, produzem e fazem questão de assistir criações autorais. Poder colaborar com uma plataforma como a do Broadway Meme é um passo muito importante nessa busca e estamos muito felizes com a experiência. Sigamos!”

FESTIVAL MINITRAMA

01, 02 e 03 de agosto
Centro Cultural Justiça Federal (Av. Rio Branco, 241 – Centro/Cinelândia)

Mostras: 19h (aprox. 90 minutos)
Oficinas: 14:30 e 16:30 (90 minutos cada)
Classificação Indicativa: 14 anos

FICHA TÉCNICA

Direção: Marcelo Albuquerque
Assistência de Direção: Luiz Buarque
Anfitriã: Stella Maria Rodrigues
Direção de Produção: Cleto Araújo
Produção Executiva da Mostra: Gabriela Alkmin
Produção Executiva das Oficinas: Luiz Buarque
Iluminação: Anna Padilha
Idealização: Gabriela Alkmin, Luiz Buarque e Marcelo Albuquerque
Coprodução: Acorde Produções Artísticas
Fotos: RL Fotografia e Gugga Almeïdà
Assessoria de Imprensa: Rachel Almeida

PROGRAMAÇÃO

MUSICAIS

“A Pandêmica Comédia” (Texto, Música e Letras: Matheus Brito)

Inspirado na obra clássica “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, que conta a história de sua viagem ao submundo com intenção de chegar ao paraíso. Um texto dividido em 9 esquetes-monólogos em que cada uma simboliza um círculo do inferno, usando a pandemia como plano de fundo. No festival MINITRAMA apresentaremos a esquete musical “Heresia”, onde acompanharemos a episcopisa Eritone e seu festival de apostasia.

“Antes Que Tudo Acabe” (Texto: Luiz Buarque e Rogério Fanju / Música e Letras: Rebecca Noguchi)

O que fazer quando percebemos que a vida tomou um rumo totalmente diferente do que havíamos imaginado? No réveillon do “bug do milênio”, o popstar Edu Reis faz um show histórico nas areias de Copacabana. Vinte anos depois, tenta voltar aos palcos e acaba “cancelado”. A queda de Edu abala as estruturas da geração cujas expectativas ele transformou em música e faz com que um grupo de amigos precise salvar o ídolo para poder salvar a própria história.

“Casa dos Artistas Fodidos” (Texto: Ramon Costa / Música e Letras: Malu Cordioli e Ramon Costa)

Ser artista de teatro musical é para os corajosos! É preciso aprender a cantar, dançar e atuar ao mesmo tempo. Mas o que ninguém te ensina por trás do glamour do showbiz é: Como ser artista e não ser fodido? Ou melhor, porque trabalhar com teatro em um país onde a preocupação básica do artista é pagar a conta no fim do mês? Essa é a pergunta que Caique, Felipe, Julieta, Marina e Viviane vão buscar responder enquanto tentam passar na audição mais importante do ano.

“Sem Sinal” (Texto e Letras: Daniel de Mello / Música: Gabriela Alkmin)

Três adolescentes enfrentam o inesperado colapso da internet e são forçados a redescobrir o mundo offline. Sem redes sociais, eles se veem desafiados a explorar novas formas de se conectar e se relacionar. Nesse processo, eles descobrem a profundidade das interações pessoais, a importância das conversas cara a cara e a beleza das experiências compartilhadas sem a mediação das telas.

OFICINAS

1 – Técnica Vocal para Teatro Musical (com Chiara Santoro)

A oficina pretende estimular o aluno a mergulhar no processo de estudo do repertório, através de ferramentas expressivas, técnicas e musicais.  Conteúdo: aulas práticas de experimentação através de vocalises, jogos musicais e estudo dos solos de teatro musical. Não há pré-requisitos para participação. 

Idade mínima: 16 anos.

2 – A Culpa é do Texto, ou “Quem Escreveu Isso Aqui?” (com Luiz Buarque)

A parte “falada” de um musical desconcerta autores, atores e público há gerações: qual a relação entre texto e números? Como estruturar um formato dramatúrgico tão específico? Por onde começar a exercer essa fascinante (e meio ingrata) ocupação? É sobre isso que a gente vai conversar nessa oficina.

3 – O Corpo do Personagem – O Corpo em Cena (com Daniel Chagas)

A oficina tem como objetivo estimular a composição de personas através de estímulos físicos como respiração (biorritmo), musculatura (densidade) e estrutura óssea (porte e estrutura física), dando à atriz ou ator domínio sobre as escolhas. Na sequência trabalharemos como estas personas podem transitar de uma para outra, ou para um corpo neutro, sem perder qualidade e precisão.

4 – Laboratório da Canção (com Gabriela Alkmin e Marcelo Albuquerque)

Um estudo em cima de canções teatrais a partir de uma compreensão da sua função dentro da obra. Vamos esmiuçar a organização das ideias que se movem através de letras e das possibilidades sonoras que uma música pode ter na construção da dramaturgia de um musical como um todo.

Miguel Magevski

Miguel Magevski é um estudante de arquitetura metido a compositor, versionista e aspirante a produtor cultural. Mora em Vitória, no Espírito Santo e é apaixonado por musicais desde pequeno. Seu hobby favorito é ter opiniões fortes sobre assuntos aleatórios e guardar o máximo de curiosidades inúteis possíveis. Afinal, é pra isso que serve a vida, não é?

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