Em “O Som e a Sílaba”, Miguel Falabella encanta e inspira em uma história embalada por música

“O Som e a Sílaba”, série de Miguel Falabella baseada no espetáculo homônimo de sua autoria de 2017, e estrelada por Alessandra Maestrini e Mirna Rubim, acaba de chegar ao Disney+ e merece a sua atenção.

Miguel Falabella escreveu o musical especialmente para que Alessandra Maestrini pudesse explorar toda a extensão de suas habilidades vocais e interpretativas. Soprano absoluta, ela é capaz de exibir uma tessitura vocal que atinge quatro oitavas, e necessitava de uma personagem suave, mas complexa.

A trama acompanha Sarah Leighton (Alessandra Maestrini), uma jovem que possui habilidades extraordinárias com números e música, mas tem grandes dificuldades de socialização, o que faz com que ela se comunique com o mundo de uma maneira inusitada.

Seu irmão, John (Guilherme Magon), disposto a ajudá-la a realizar seu sonho, consegue agendar um encontro entre Sarah e a cantora profissional de ópera Leonor Delise (Mirna Rubim), que aceita a jovem como sua aluna de canto lírico. A princípio, Leonor tem muitas reservas em relação a Sarah, mas conforme o tempo vai passando, o vínculo entre as duas vai se estreitando, e gera transformações profundas na vida de ambas.

ATENÇÃO: este texto contém leves spoilers da série.

Alessandra Maestrini, que viveu a mesma personagem nos palcos, está em estado de graça encarnando Sarah Leighton. A atriz veste a personagem de uma forma que é impossível imaginá-la de outra forma, seu trejeitos, forma de falar, andar, olhares, tons, tudo dá uma veracidade impressionante à protagonista, sem falar no talento admirável de Alessandra no canto lírico. A atriz alcança notas dificílimas e traz toda uma delicadeza ao desenvolvimento de Sarah no decorrer da trama.

Outro destaque é Mirna Rubim, que também reprisa seu papel do teatro. Leonor é uma professora de canto, que foi uma diva internacional da ópera durante muitos anos. É elegante e aparenta ser bem resolvida. Só aparenta, pois Leonor também carrega muitas questões, e a principal delas é a relação problemática com a filha. Aos poucos, com a aproximação de Sarah, vemos Leonor se desarmando e se permitindo encarar suas questões de frente. Além disso, a química de Mirna com Alessandra Maestrini torna um deleite assistir as cenas das duas.

Giulia Nadruz, com vasta experiência no teatro musical, interpreta a filha de Leonor, Jeannie, que também é uma cantora lírica de sucesso. A relação com a mãe ficou insustentável após um desentendimento do passado. A série começa com essa relação rompida, cheia de ressentimentos. O espectador é apresentado às raízes desse relacionamento, como tudo se sucedeu, até que, após um acontecimento inesperado, e com uma grande ajuda de Sarah, as duas retomam contato. Giulia, além de estar lindíssima no papel, traz todas as nuances e camadas dessa personagem que não é nada óbvia: a princípio, não sabemos se é vilã, se é vítima, e no final, percebemos que ela é apenas humana, que comete erros, mas que sempre quis ter a mãe por perto.

Artur Volpi, que vive Luis, namorado de Sarah, também chama a atenção. O desenvolvimento do relacionamento dos dois cativa e esbanja ternura, não há como não torcer pelo casal. Artur vive um jovem que está dentro do espectro autista assim como Sarah, e sua composição é admirável. Percebemos todos os obstáculos que Luis precisa ultrapassar para demonstrar seu interesse por Sarah, e o afeto que sente por ela. Os dois se identificam por serem taxados como “estranhos” pela maioria das pessoas e por seus gostos considerados peculiares. As cenas no aquário têm uma fotografia de encher os olhos, e são repletas de poesia, e o último encontro dos dois é emocionante.

Miá Mello e Guilherme Magon dão vida ao casal Débora e John, a cunhada e o irmão de Sarah, e também foram um grande acerto neste elenco. Miá, a princípio, vive a clássica cunhada que apenas suporta a irmã do marido. Mas ela consegue humanizar a personagem e percebemos que, no fundo, ela só quer que Sarah seja independente e dona de si. As cenas de alfinetadas e provocações dão lugar a identificação e empatia e acabamos torcendo pelas duas. A parceria com Guilherme Magon também torna todo esse núcleo muito bem desenvolvido. Percebemos a força que Débora dá ao marido para que ele deixe a irmã, que até então viveu debaixo de suas asas, andar com as próprias pernas, e o tanto que isso faria bem tanto para Sarah, quanto para o casal.

Outros atores completam o elenco estrelado da série: Maria Padilha, Juliana Didone, Iléa Ferraz, Julia Balducci, Amanda Souza, Maria Maya, Yara de Novaes, Stella Miranda e mais. Miguel Falabella é o diretor de “O Som e a Sílaba” e também assina os roteiros junto a Rosana Hermann e Emílio Boechat. A direção é de Cininha de Paula e Juliana Vonlanten.

“O Som e a Sílaba” é uma comédia dramática que tem como pano de fundo o canto lírico, algo que, além do elenco e do texto, cria um grande atrativo, pois não é muito comum encontrar musicais deste nicho em grandes streamings. A música parece dar uma última pitada de poesia à história, que já é encantadora por si só, e é tão importante que parece que pegamos nas mãos dos personagens e somos levados àquele mundo repleto de beleza e arte. A trilha de “O Som e a Sílaba” já está disponível nas plataformas digitais.

Miguel pensou na protagonista Sarah Leighton a partir de versos da poeta americana Emily Dickinson (1830-1886), especificamente esses: “A mente pesa tanto quanto Deus. / Se a pesagem é feita com instrumento bom, / A diferença, se houver, / É da sílaba para o som”. O autor refletiu a respeito de pessoas com habilidades específicas, que não são compreendidas e, por conta disso, vivem à margem da sociedade

“O Som e a Sílaba” é uma aula de como o amor e a escuta podem ser transformadores, de como a arte pode salvar, e, em tempos de tanto egoísmo, de como a empatia é importante na vida das pessoas, tudo isso embalado por muita música. Ou seja, ingredientes perfeitos para uma ótima mistura.

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