Dead Outlaw: a balada macabra de um fracassado que virou lenda após a morte

Na Broadway, o palco é uma dimensão à parte onde tudo pode acontecer: animais ganham vidas, amores e tragédias nascem e morrem, e até mesmo cadáveres podem ganhar uma segunda vida sob os refletores do teatro musical. Dead Outlaw se destaca como uma odisseia pós-morte envolvente, irreverente e musicalmente vibrante.

Baseado na história real e insólita de Elmer McCurdy, um criminoso fracassado morto em 1911 cujo corpo embalsamado percorreu os EUA por mais de seis décadas, o espetáculo combina humor negro, crítica social e um olhar brutalmente honesto sobre como a vida é curta e a busca americana por fama… Mesmo que ela venha depois do último suspiro.

Eu confesso: quando soube que o musical era centrado em um cadáver que virou celebridade póstuma, não sabia se ria ou ficava intrigado. Mas a maneira como Dead Outlaw trata essa história é tão ousada e fora do comum que rapidamente fui fisgado.

Uma história viva sobre a morte

Com composições de Itamar Moses, direção precisa e inventiva de David Cromer e trilha sonora assinada por David Yazbek e Erik Della Penna, o musical nasceu em 2024 no circuito Off-Broadway e logo conquistou público e crítica, vencendo três prêmios Drama Desk, incluindo Melhor Musical.

Em 2025, estreou no Longacre Theatre mantendo o elenco original, com Andrew Durand no papel de Elmer, cuja presença de palco é magnética — mesmo quando o personagem está literalmente morto em cena. E já que o musical é sobre um morto, isso é bastante importante.

O espetáculo é estruturado como uma narrativa contada por um maestro-narrador (brilhantemente interpretado por Jeb Brown), que conduz o público através de uma jornada que atravessa o tempo, o espaço e a lógica.

O cenário modular e cúbico abriga a banda e molda uma atmosfera de velho oeste vibrante, contrastando com a decadência do cadáver ambulante e com os lampejos de vida que orbitam sua memória, enquanto iluminação e som completam a ambientação com sofisticação e impacto visual.

Apesar de Elmer ser o protagonista, o musical se desdobra em múltiplas camadas. Julia Knitel é um destaque como as diferentes mulheres que cruzam o caminho de Elmer, vivas ou já resignadas ao seu estado cadavérico. Trent Saunders brilha em uma cena insólita e empolgante como Andy Payne, o maratonista Cherokee que corre pelos EUA com o cadáver de Elmer como atração de fundo.

Essas histórias paralelas ampliam o escopo da obra, ecoando seus temas centrais: liberdade, identidade e o que significa deixar uma marca no mundo.

O fôlego de uma trilha

A trilha sonora é um dos trunfos do musical: um passeio criativo por estilos que vão do bluegrass ao folk, do rockabilly a baladas românticas. Se destacam canções como Killed a Man in Maine, um hino sarcástico de masculinidade tóxica, o cativante cabaré celeste de Up to the Stars, e Normal, uma balada introspectiva que revela o lado vulnerável de Elmer.

Uma coisa que me chamou atenção foi como a trilha consegue mudar de tom com tanta naturalidade. Eu estava rindo em uma música, e logo depois completamente tocado por outra. Raros são os musicais que equilibram tão bem o grotesco e o sensível.

Riso, reflexão, e rigor mortis

Há algo profundamente desconcertante (e brilhante) na forma como Dead Outlaw recusa sentimentalismos. Ele não quer que você chore por Elmer. Ele quer que você ria, questione e encare o espelho.

Como alguém que vive com ansiedade e passa tempo demais refletindo sobre a própria mortalidade, eu fiquei com a cabeça a mil. O musical me fez pensar sobre o que é, de fato, viver, e como podemos deixar alguma marca. A resposta veio através de um epitáfio cantado, repetido em refrão: “todos vamos morrer, e o que fazemos antes disso importa”.

Em um ano de produções intensas na Broadway, Dead Outlaw reflete em seu absurdismo sobre a fama, a mortalidade e o espetáculo da vida americana. E sim, esse espetáculo inclui um cadáver embalsamado que talvez seja o personagem mais vivo do palco.

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