Por Clara Brandão
Não, Querido Evan Hansen não é tão ruim assim. Em meio a legado confuso e polêmicas de elenco, adaptação cinematográfica do musical faz o que pode para agradar fãs e apaziguar críticas, mas erra o público-alvo.
Em novembro de 2016, logo após a temporada bombástica que consagrou Hamilton como um dos maiores fenômenos da Broadway da década de 2010, não só ganhando o Tony de Melhor Musical como batendo recordes de indicações totais no prêmio e de bilheteria, surgia a questão: qual seria o próximo sucesso?
A resposta surgiu, de forma esperada ou não, no pequeno Music Box Theatre, com um espetáculo que era completamente oposto ao grandioso Hamilton. Com elenco pequeno, cenário minimalista e poucas coreografias, Dear Evan Hansen conquistou à época sucesso de público e crítica contando a história de um adolescente com problemas de ansiedade e depressão que se vê no meio de uma bola de neve de mentiras ao ser confundido com o melhor amigo de um colega de escola que se cometeu suicídio. O musical, escrito pela dupla Justin Paul e Benj Pasek (La La Land; O Rei do Show), ganhou não só o Tony de Melhor Musical, mas também as categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante e alavancou a carreira de Ben Platt, conhecido até o momento por papéis cômicos em Book of Mormon e A Escolha Perfeita.
Em 2021, cinco anos após a ascensão meteórica na Broadway, Querido Evan Hansen estreia nos cinemas brasileiros em um cenário completamente diferente. A trama, antes elogiada como uma conversa importante sobre ansiedade e saúde mental, hoje é analisada sob um rigor diferente, sendo um resultado do desenvolvimento da visão do público sobre esses mesmos assuntos. O novo ponto de vista em retrospecto, como definitivamente aconteceu com outras mídias (basta lembrar sobre a discussão extremamente válida do impacto do colorismo em obras como Hamilton e In The Heights) não foi gentil com o musical.
Críticas como a falta de consequências para o protagonista após tantas mentiras, a relação romântica entre Evan e a irmã de seu melhor amigo morto soar complicada, e a possível falta de responsabilidade ao tratar sobre suicídio não são incomuns de se ouvir. Sim, elas sempre existiram, mas ganharam mais voz nos últimos tempos, principalmente após um ano e meio extremamente impactantes para a saúde mental de forma mundial.
Além do cenário já não tão favorável, outra questão afetou a visão pública do projeto de forma mais intensa: a idade de Ben Platt. Em meio a críticas, acusações de nepotismo, piadas com a aparência do ator de 28 anos no meio do elenco adolescente já era polêmico antes mesmo de fotos e vídeos do filme finalizado saírem. Quando o primeiro material oficial foi lançado e a diferença ficou aparente, com decisões de maquiagem e visagismo que não ajudaram em nada, as piadas começaram. E com elas, as polêmicas.
Platt acabou defendendo sua posição de protagonista de forma considerada agressiva em entrevistas e no Twitter, discussões acaloradas e super importantes sobre etarismo aconteceram, em um processo totalmente bagunçado. O longa, mirando no Oscar e estreando para as audiências internacionais no Festival Internacional de Filmes de Toronto (TIFF) foi recebido com críticas ferrenhas e uma nota menor que ideal no Rotten Tomatoes, popular agregador de opiniões.
Mas, no fim das contas, o filme é bom? Ou, melhor dizendo, é tão ruim assim? A resposta rápida é não. Já a resposta mais completa é complexa.
De forma simples: se você já conhece e gosta do musical, a experiência tem grandes chances de ser positiva. As atuações são extremamente competentes em sua maioria, o que não é surpreendente considerando a participação de nomes como Amy Adams e Julianne Moore, e as músicas não têm uma aparência estranha de lipsync – as novas, inclusive, são boas e dão corpo à narrativa. Sei que é uma questão de opinião, mas a polêmica da aparência do protagonista não afetou minha experiência e se você já conhece o estilo de atuação de Platt, sabe exatamente o que esperar e é isso que o filme entrega.
Meu maior problema com Querido Evan Hansen e suas imperfeições foi justamente a direção. Há algum tempo vi uma crítica que dizia que parecer “direção de um filme cristão”, e o que me fez rir na época hoje descreve exatamente meu problema com a forma de dirigir de Stephen Chbosky. Visualmente, as cenas são desinteressantes e a maior parte dos números musicais consistem em personagens sentados olhando um para o outro ou caminhando a esmo – salvo exceções como Sincerely, Me e You Will Be Found.
Partes que tinham um potencial interessante, como a carro-chefe Waving Through a Window, se tornaram Platt encarando a câmera parado ou apenas caminhando pelos corredores do colégio. O mesmo acontece com a nova Anonymous Ones, na voz de Amandla Stenberg. Cenas que tinham um potencial dramático ainda maior, como So Big, So Small, optaram por cansativos closes de câmera fixa.
Ao se prender à uma dita “estética realista”, o estilo de Chbosky se torna limitante, o que faz números mais interessantes destoarem. Quando Evan, Connor (Colton Ryan) e Jared (Nik Dodani) cantam e dançam animados, parece um outro filme. Quando há uma homenagem ao staging original de You Will Be Found e seu o painel virtual de depoimentos em vídeo que se transformam em um retrato de Connor, a montagem parece fora de lugar. Os movimentos de câmera são repetitivos e cansativos (sério, Chbosky, existem outros enquadramentos além de um close de frente e um close de lado). Vindo de uma das mentes responsáveis por As Vantagens de ser Invisível e seu espetáculo de cinematografia o resultado é, no mínimo, decepcionante.
Por um outro lado, as mudanças do roteiro, ponto que costuma trazer falhas fatais, ajudaram o musical a tentar se reinventar ou pelo menos focar nos temas certos. Entre dar mais de destaque à dinâmica familiar de Connor, maior responsabilidade para as ações de Evan, dosar o nível da relação romântica de Evan e Zoe (Kaitlyn Dever) ou até desenvolver mais profundamente o arco de Alana, dando mais propósito para a personagem, é possível enxergar uma tentativa legítima de melhorar os temas e refinar algumas sub-tramas para tornar a produção como um todo mais palatável. Há, também, mudanças que não alteram o plot, mas que aceito de braços abertos, como o fato de Jared ser abertamente gay. Eu gostei bastante, e imagino que quem já tem carinho pela história vai aceitar também.
Agora, se você não gosta do musical, acha a história ruim por si só e problemática não importa como, não vá assistir esperando algum milagre. Não vai acontecer. Existem tentativas de melhora mas, no fim das contas, a história ainda é sobre um garoto que mente para uma família enlutada. Sim, até tentam um final novo para mostrar Evan assumindo as consequências de seus atos, mas, essencial e estruturalmente, é o mesmo da versão de palco.
Por fim, Querido Evan Hansen continua sendo uma obra imperfeita com atuações sensacionais, uma trilha sonora ótima e muitas coisas a criticar. O longa falhou ao mirar no alvo errado: se a expectativa era repetir o sucesso de crítica original, mirando em uma indicação ao Oscar para Platt (a um O de ser EGOT), não deu certo. O produto final não combina com o estilo de filmes “de festival” ou “de Oscar”,o que foi corroborado pela crítica especializada ao o cimentarem como “um enorme fracasso”.
Se o marketing fosse voltado para um filme mais popular, tendo em vista que agradou às massas e teve 88% de aprovação no Rotten Tomatoes, é possível que o cenário fosse outro. Porém, nunca saberemos ao certo. O que posso dizer é que tenho pena do Ben Platt, cuja aparência se tornou motivo de chacota na internet, mesmo que durante o filme isso não cause grandes estranhezas, principalmente comparado a sua performance competente e parecida com a vencedora do Tony em 2017.
Mas não é dessa vez que ele vai conseguir fechar o EGOT.
Querido Evan Hansen está disponível excluivamente nos cinemas de todo o Brasil.
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