Buena Vista Social Club: o musical que chegou tarde, mas no momento certo

Enquanto alguns musicais nem chegam a sair da ilha de edição, outros fazem um caminho oposto. Demorado, sim, mas necessário.

É o caso de Buena Vista Social Club, que finalmente chegou à Broadway em 2025, quase 30 anos depois de o álbum original ter encantado o mundo. E mesmo que a pergunta “por que demorou tanto?” ainda ecoe, a verdade é que o timing dessa estreia não poderia ser mais apropriado.

Baseado no icônico álbum homônimo de 1997, gravado por um grupo de músicos cubanos veteranos, alguns já aposentados há décadas, o musical mistura nostalgia, celebração da cultura cubana e um toque de ficção para contar a trajetória desses artistas. O que nasceu como uma jam session histórica em Havana virou um álbum lendário premiado com Grammys, um documentário indicado ao Oscar, dirigido pelo Wim Wenders, e agora, um musical da Broadway com dez indicações ao Tony Awards, incluindo Melhor Musical.

Nada mal para um grupo de senhores que tocavam boleros esquecidos pelo mundo.

Quando eu era adolescente, era o tipo de roqueiro chato que torcia o nariz para tudo que não tivesse uma guitarra distorcida. Um dia, meu pai me disse: “Se a música te tocar de alguma forma, ela vale a pena”. Mesmo sem ter visto o musical ao vivo, ao conhecer essa história e ouvir essas músicas, entendi o que ele queria dizer.

Como brasileiro nascido e criado no Maranhão, no coração do Nordeste, sei bem como cultura é herança. A gente cresce ouvindo tambor de crioula, bumba meu boi, reggae vindo das rádios locais e aprendendo que nossa identidade está profundamente ligada aos sons que nos cercam. Ver o palco da Broadway ser tomado por ritmos latinos, por músicos que tocam com o coração e por histórias que carregam décadas de memória me tocou num lugar muito íntimo. Porque assim como em Cuba, no Brasil também há resistência, beleza e orgulho em cada batida.

Entre a revolução e os palcos: uma história de música e memória

Com texto de Marco Ramirez e direção de Saheem Ali, o musical intercala duas linhas temporais. O presente, em 1996, quando o produtor Juan de Marcos González reúne lendas como Ibrahim Ferrer e Compay Segundo para gravar o álbum. E o passado, em meio à efervescência da pré-revolução cubana nos anos 1950, quando a jovem Omara Portuondo e sua irmã Haydee decidem entre fugir para os Estados Unidos ou permanecer em Cuba com a música como forma de resistência.

É uma estrutura que poderia cair facilmente na armadilha do melodrama, mas o musical evita o exagero. Aposta na emoção contida, nas pequenas trocas de olhares entre as versões jovens e velhas dos personagens, no som visceral da banda ao vivo, que, aliás, foi homenageada com um Tony especial.

Confesso que ao me aprofundar nessa história, me vi arrepiado com essas interações entre passado e presente. É como se o espetáculo dissesse que memória também é uma forma de presença.

Uma jukebox com a alma latina

Ao contrário de outras jukebox musicals com playlists genéricas e roteiros frágeis, Buena Vista Social Club honra seu repertório. As músicas não são apenas hits encaixados, são a alma do espetáculo. Clássicos como Chan Chan, Veinte Años, Dos Gardenias e Candela surgem com força renovada, entrelaçados à narrativa como extensões da memória e da emoção dos personagens.

Cada número é executado ao vivo com arranjos que respeitam a tradição, mas ganham vigor cênico. Os estilos de son, danzón e bolero ganham corpo nos gestos da dança, no pulso dos instrumentos, na respiração da orquestra. E mesmo sendo cantadas inteiramente em espanhol, as músicas atravessam qualquer barreira.

Quem precisa de legenda quando a orquestra te dá um abraço e um soco no estômago ao mesmo tempo?

Musical ou memorial?

Sim, o musical não se aprofunda muito nos debates políticos da Revolução Cubana. E sim, a trama poderia explorar mais o impacto emocional das decisões dos personagens. Mas talvez essa não seja a função deste espetáculo. Talvez o maior trunfo de Buena Vista Social Club seja justamente sua recusa em se render ao espetáculo grandioso e superficial que domina os palcos hoje.

A crítica especializada tem dito: “não é um épico, mas é um tributo sincero”. E isso basta. Não estamos diante de uma revolução no gênero, mas de um lembrete poderoso de que um musical pode ser memória viva. Um ritual. Uma homenagem a quem já se foi e uma carta de amor à cultura cubana que insiste em existir, mesmo com todas as dores e exílios.

Num mundo onde musicais são escanteados por “não agradarem às audiências”, é revigorante ver um espetáculo como esse ocupar espaço na Broadway sem pedir desculpas por ser o que é: latino, nostálgico, musicalmente sofisticado e visualmente discreto.

Em vez de sugar a cultura cubana como um souvenir caro, o show a celebra, com músicos cubanos reais no palco. Muitos deles, exilados, que veem nessa obra uma forma de manter viva sua herança.

Buena Vista Social Club não chegou cedo. Chegou tarde. Mas chegou com o coração no lugar certo. E isso, em 2025, já é mais do que a maioria dos musicais pode dizer.

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