Merrily We Roll Along: Como sonhos podem ser destruídos

Já pensou em acompanhar a trajetória de uma amizade do final para o começo? Merrily We Roll Along faz exatamente isso, revelando os altos e baixos dessa relação de maneira inovadora e emocionante, enquanto reconstrói os momentos que moldaram essa conexão.

Criado por Stephen Sondheim (conhecido por obras como Sweeney Todd, Follies, Company, Into The Woods) e George Furth, o musical segue a trajetória de três amigos: Frank Shepard, um talentoso músico que eventualmente se torna um produtor de cinema; Charley Kringas, um compositor apaixonado pela arte; e Mary Flynn, uma jornalista brilhante. Em sua jornada para alcançar o sucesso no mundo do espetáculo, eles acabam deixando para trás sonhos, amizades e pessoas que um dia foram essenciais em suas vidas.

A história de Merrily We Roll Along é tão complexa quanto fascinante. Quando estreou em 1981, o musical foi um fracasso retumbante, durando apenas 16 apresentações antes de ser cancelado. Parte do problema foi a escolha de um elenco composto por adolescentes e jovens adultos, que não conseguiram transmitir a profundidade emocional necessária para os personagens, que são retratados como mais velhos e depois rejuvenescidos conforme a trama avança de trás para frente.

Além disso, o enredo não-convencional e a estrutura narrativa confundiram o público da época. No entanto, o espetáculo foi revisado ao longo dos anos, resultando em produções de sucesso, como o revival off-Broadway de 1994 e a montagem no West End em 2020. Um dos momentos mais marcantes de seu ressurgimento foi no Encores! de 2011, uma série de produções da New York City Center dedicada a reviver musicais menos conhecidos ou esquecidos, oferecendo-os ao público em versões concertantes. Essa produção especial contou com a participação de Lin-Manuel Miranda, atraindo grande atenção e ajudando a reavivar o interesse por esse musical único (sim, eu sei que você quer pesquisar isso).

Finalmente, chegamos ao revival off-Broadway de 2022, que foi transferido para a Broadway no ano seguinte, estrelado por Jonathan Groff, Daniel Radcliffe e Lindsay Mendez. Merrily We Roll Along sempre foi a “Diva Complicada” de Sondheim: uma história rica com personagens cativantes, mas com uma narrativa não-linear e complexa que representa um desafio para qualquer diretor ou produtor. E é exatamente essa dificuldade que torna o musical tão atraente, e todo diretor sonha em ser o responsável por finalmente transformar essa produção em um sucesso definitivo.

O que mais me fascina em Merrily We Roll Along é, justamente, sua narrativa inversa, que nos mergulha no pior momento da vida dos protagonistas e nos deixa ávidos por respostas. Frank, outrora um compositor promissor, se transformou em um homem cínico e mulherengo, que trocou a música por um sucesso vazio. Charley, seu ex-parceiro criativo, é um homem profundamente amargurado, ressentido pelo caminho que Frank escolheu. Já Mary, que sempre esteve ao lado deles, afundou no alcoolismo, presa em uma paixão não correspondida, e desiludida com a vida.

Com essa premissa devastadora, a curiosidade nos envolve: como essas amizades se despedaçaram? Como essas vidas tão promissoras chegaram a tal ponto? E é exatamente aí que o musical nos captura, levando-nos de volta ao início dessa história cheia de reviravoltas emocionais.

À medida que o musical retrocede no tempo, desvendamos as camadas que explicam a destruição das vidas dos personagens, observando como suas aspirações e relacionamentos desmoronam até chegarem ao estado devastado do início da peça. Esse processo exige uma entrega emocional profunda dos atores, o que explica os desafios enfrentados por algumas produções anteriores. No entanto, com essa nova versão da Broadway, eles acertaram em cheio.

Jonathan Groff oferece uma performance impressionante como Franklin Shepard, capturando perfeitamente o carisma e a complexidade de um homem dividido entre a busca pelo sucesso e o desejo de permanecer fiel a si mesmo. Conforme ele ascende ao estrelato, vemos suas lutas internas, tornando sua queda inevitável e comovente.

Daniel Radcliffe se destaca como Charley Kringas, trazendo humor afiado e um nervosismo palpável que equilibram perfeitamente a dinâmica com Frank. Sua interpretação de Charley é intensa e cheia de nuances, expressando a dor de ver seu amigo escolher o caminho errado.

Lindsay Mendez, como Mary Flynn, brilha com uma mistura de otimismo e fragilidade. Sua jovem Mary é cheia de sonhos e esperanças, mas também movida por um toque de egoísmo enquanto tenta desesperadamente manter o trio unido, mesmo que isso a consuma.

Juntos, os três atores entregam performances que elevam o impacto emocional da história, fazendo o público se conectar ainda mais com a jornada de cada personagem.

Manter amizades já é um desafio na vida real. Agora, coloque isso no showbusiness, onde o interesse e a vaidade reinam. Vemos Frank gradualmente se distanciando de seus amigos, tratando-os cada vez mais como meros acessórios de sua vaidade, enquanto abandona seu talento artístico em troca de ganhos financeiros.

A trilha sonora de Merrily We Roll Along, composta por Stephen Sondheim, é uma fusão brilhante do estilo clássico da Broadway dos anos 1950 com uma estrutura inovadora que reflete a narrativa reversa do musical.

Sondheim usa técnicas de repetição e desconstrução musical para capturar a evolução emocional dos personagens ao longo do tempo. Um exemplo poderoso é a canção Old Friends, que inicialmente expressa a alegria e a lealdade entre Frank, Charley e Mary. Conforme o musical retrocede, essa música, antes cheia de esperança, torna-se uma lembrança agridoce da amizade que foi se despedaçando.

Da mesma forma, Not a Day Goes By começa como um grito de dor no meio do sofrimento, mas se transforma, no final da linha do tempo, em uma promessa de amor. Good Thing Going, que inicialmente celebra o sucesso de Frank e Charley, acaba se tornando um reflexo melancólico do que eles perderam com o passar dos anos. Com essa abordagem, Sondheim transforma as músicas em espelhos das memórias e arrependimentos dos personagens, fazendo dessa partitura uma das mais emocionalmente ricas e tecnicamente desafiadoras de sua carreira.

Se eu fosse escolher algumas das minhas músicas favoritas, seriam Old Friends, que captura perfeitamente a amizade caótica do trio; Opening Doors, que mostra como o mundo real consegue quebrar as expectativas de qualquer jovem sonhador; e Franklin Shepard, Inc., que retrata o completo surto de Charley ao perceber que está perdendo Frank para a fama.

Merrily We Roll Along é, acima de tudo, uma reflexão sobre as escolhas que fazemos e o preço do sucesso. A narrativa retrógrada nos leva a entender que nem sempre as conquistas profissionais compensam as perdas pessoais, e que sonhos e amizades podem ser destruídos ao longo do caminho. Sondheim, como sempre, constrói um mundo musicalmente denso e emocionalmente devastador, onde cada nota e letra nos lembra de que o tempo é implacável, e as nossas decisões têm consequências.

Com o revival estrelado por Jonathan Groff, Daniel Radcliffe e Lindsay Mendez, parece que finalmente encontramos a produção que captura a essência agridoce e complexa de Merrily We Roll Along. Um musical que, mesmo com sua história tumultuada, continua a cativar o público com sua honestidade brutal sobre a vida, o amor e a amizade.

E no final, a pergunta que persiste é: poderíamos ter tomado um rumo diferente em nossas vidas e nas nossas amizades?

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